• Quando a viagem é interrompida por 80 tiros

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  • 14/04/2019 08:00

    Hoje o texto é de reflexão… Porque eu não sei vocês, mas estou a semana inteira ainda tentando digerir o que foram os 80 tiros naquela família no Rio. Penso em todos os pores do sol que seu Evaldo não vai mais poder ver, tocando sua música. Penso em cada pôr-do-sol que sua esposa e seu filho vão ver, lembrando dele. Todos nós estamos numa grande jornada pela vida. Mas a viagem daquela família foi interrompida mais cedo.

    Era um dia normal, domingo de sol. A família seguia junta de carro para um chá de bebê. Qual não foi a surpresa quando 80 tiros de fuzis pararam o veículo. Pararam a viagem. Pararam Evaldo e sua música para sempre. E pararam a vida daquela esposa e daquele filho que, por um milagre, sobreviveram, mas vão ter que sobreviver ainda a cada dia daqui para frente, sem nunca entender a arbitrariedade daquele ato.

    Atirar primeiro, perguntar depois. Com essa lógica de guerra, militares têm feito patrulhas pelo Rio de Janeiro. De certa forma, me surpreende tamanho o terror das pessoas diante da morte do músico, já que boa parte da população, ao que parece, tem demonstrado apoio à tática militar, ao repetir banalmente o maldito jargão: “bandido bom é bandido morto”.

    Sim, porque a sociedade que autoriza matar pessoas é a mesma sociedade que autoriza a polícia ou o exército a "atirar primeiro e perguntar depois", como aconteceu no último domingo. Mas a violência sempre respinga em inocentes. Poderia ser qualquer um naquele carro.

    No último dia 5, homens do Exército mataram um jovem de 19 anos que furou uma blitz de moto com um amigo numa rua da Vila Militar. Christian Felipe Santana era assistente de mecânico. Ele estava na garupa da moto. Assim como aconteceu no domingo, o Comando Militar do Leste divulgou uma nota dizendo que eram bandidos. Mas a família, indignada, fez um protesto, dizendo que o rapaz era estudioso e aguardava para fazer uma faculdade.

    Mais uma vez, a violência sempre respinga em inocentes.

    Mas, indo um pouco mais além, ainda que não tivesse sido uma “confusão” por parte dos soldados,  será que seria proporcional uma alvejada de 80 tiros contra alguém que tivesse roubado algo? É dessa forma que nossa sociedade procura fazer justiça?

    Se alguma coisa pode ser tirada desse caso dos 80 tiros, talvez seja uma reflexão sobre uma das alterações propostas no projeto de lei anticrime apresentado pelo ministro da Justiça, Sérgio Moro,  ainda no início de fevereiro. A proposta prevê que um juiz possa reduzir ou deixar de aplicar pena em casos de ações policiais resultantes de “medo, surpresa ou violenta emoção”. Hoje os nove militares que atiraram contra aquela família estão presos e respondendo à Justiça pelo crime, mas será que estariam se o projeto de Moro fosse aprovado? A morte de um inocente não vai nem ser julgada? É dessa forma que nossa sociedade procura fazer justiça?

    No enterro de Evaldo, na última quarta-feira (10), uma bandeira do Brasil com manchas vermelhas foi usada em diversos momentos. Um amigo do músico, o assistente social Carlos Sampaio explicou o motivo:

    "Essa bandeira simboliza um tiro na democracia, um tiro no nosso direito de ir e vir. Um tiro na nossa cidadania, na nossa liberdade. Nós não sabemos se poderemos continuar nas ruas onde estamos acostumados a andar. Certeza que, se esse carro estivesse passando na Avenida Ayrton Senna, na Avenida Vieira Souto, na Avenida Lúcio Costa, não seria alvejado com essa quantidade enorme de tiros. O Manduca morreu porque estava na Estrada do Camboatá."

    Que ninguém tenha que morrer para tentarmos fazer justiça nesse país. Que aqueles que erram respondam justamente por seus atos. Que as pessoas, de todas cores, classes e lugares continuem podendo ir e vir. Que continuem podendo seguir viagem, seguir até o fim suas jornadas.

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