• ‘Provavelmente Saramago’ cruza ficção e realidade para reverenciar escritor

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  • 30/07/2022 08:00
    Por Dirceu Alves Jr., especial para o Estadão / Estadão

    O inconformismo de um artista diante de um espetáculo não realizado inspirou o ator, diretor e dramaturgo Vinícius Piedade em Hamlet Cancelado. O monólogo, produzido em 2019, trazia um integrante do elenco de uma montagem de Shakespeare derrubada às vésperas da estreia que decide encenar o clássico por conta própria.

    Um mote semelhante, à primeira vista, norteia Provavelmente Saramago, novo solo de Piedade, escrito com o português Paulo Campos dos Reis, também responsável pela direção. Desta vez, um ator preterido em um teste para um filme sobre José Saramago (1922-2010) resolve, apoiado em tudo o que estudou, montar uma peça em que narra vida e obra do Prêmio Nobel de Literatura.

    O paulistano Vinícius Piedade, de 41 anos, abre temporada de Provavelmente Saramago no Auditório da Biblioteca Mário de Andrade na segunda, 1º de agosto, às 19h, e segue em cartaz às segundas, até dia 29, com entrada franca. Na sequência, passa pela Feira do Livro de Toledo, no Paraná, visita Teresina, no Piauí, e, entre 29 de setembro e 1º de outubro, chega a Lisboa, na Fundação Saramago, dentro das comemorações oficiais do centenário do escritor.

    Diante da comparação com Hamlet Cancelado, Piedade, porém, apressa-se em avisar que nada é exatamente o que parece ser. A motivação do protagonista em criar a sua peça dentro desta peça se dá por uma abordagem da vida útil na velhice. Mesmo que Saramago tenha publicado o primeiro romance, Terra do Pecado, aos 25 anos, foi somente aos 60 que conquistou relevância com Memorial do Convento, em 1982. O artista afirma que, antes de descobrir a obra literária, ficava fascinado ao vê-lo em entrevistas, esbanjando energia e lucidez. “Através dele, enxerguei a velhice de forma menos pesada porque ele vivia sua plenitude, vislumbrava um futuro”, diz o ator.

    Em meio a essa metalinguagem, o personagem concentra a atenção em três livros, Todos os Nomes, As Intermitências da Morte e A Viagem do Elefante. Publicadas respectivamente em 1997, 2005 e 2008, essas obras ressaltam a visão madura do autor e da sua contrariedade com uma sociedade que dispensa os idosos. Para essa aproximação mais íntima com Saramago, Piedade recorreu à direção de Paulo Campos dos Reis, que criou uma encenação cheia de jogos simbólicos para, mesmo através de imagens simples, borrar os limites entre o documental e a ficção.

    Piedade e Reis se conheceram em um festival de teatro lusófono em Angola. Eles voltaram a se cruzar em outras mostras em Cabo Verde e Portugal. Em Lisboa, o brasileiro comentou com o colega o fascínio por Saramago e que gostaria da procurar um texto sobre ele para negociar os direitos autorais e encená-lo. Foi Reis quem jogou a ideia do projeto a quatro mãos e se lembrou da efeméride do centenário.

    INTERCÂMBIO

    O intercâmbio com Portugal não é novidade para o brasileiro. Piedade conta que mostrou trabalhos em mais de 20 países, entre eles Alemanha, Turquia e Índia, e só na terra de Saramago pisou em palcos de 25 cidades. A primeira viagem internacional foi em 2010, com o solo Carta de um Pirata, que, durante sessão em Salvador, recebeu o convite de uma produtora brasileira sediada na Suíça interessada em exibi-lo em Berna e Zurique. “Mas ressalto que, antes de ir ao exterior, tinha corrido o Brasil, do Acre ao Rio Grande do Sul”, declara o artista.

    Mesmo que lute contra o rótulo, Piedade se tornou conhecido pelos monólogos. Além de Hamlet Cancelado, Carta de um Pirata, Provavelmente Saramago, Identidade e Cárcere são destaques de sua trajetória. “A minha escuta não está no solo, mas o fazer artístico é assim desde as minhas origens”, diz. “Aos 17 anos, criava cenas inspiradas em A Vida Como Ela É, de Nelson Rodrigues, trancado no banheiro da empresa em que trabalhava como office-boy”, relembra.

    O próximo projeto, porém, será um duo, talvez com a atriz Isabella Lemos, no ano que vem. De sua autoria, a peça Coltrane Quarentenado, dirigida por Sérgio Ferrara, trata das separações de casais na pandemia. “Vi amigos se separando e questiono se o problema foi o confinamento ou se as relações não estavam desgastadas havia muito tempo.”

    Provavelmente Saramago

    Bibl. Mário de Andrade. R. da Consolação, 94. Às segundas, 19h. Gratuito (retirar ingresso 1h antes). Até 29/8

    As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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