
Proteger-se do celular
Que a privacidade hoje é um produto rentável, não há dúvida, que a indiscrição ganhou espaço nas redes sociais é outro fato inconteste. Conduto, é preciso avaliar as consequências da exposição da vida íntima nas redes sociais.
É preciso “discutir a relação” entre “influenciadores” e “influenciáveis” em função do lastro das sequelas produzidas pelas influências tóxicas. Para evidenciar a seriedade desse problema, basta citar os números da pesquisa realizada pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica que registrou, nos últimos cinco anos, um aumento de 141% de cirurgias estéticas entre jovens de 13 a 18 anos de idade. A busca desenfreada por procedimentos estéticos é fundamentada em um padrão de beleza que se propaga pelas plataformas digitais.
– Quantas fotos são tiradas diante de um espelho?
Segundo a Associação Brasileira de Psiquiatria, mais de 70 milhões de pessoas no mundo apresentam algum distúrbio alimentar. No Brasil, estima-se que 15 milhões de pessoas apresentam esse distúrbio. A gravidade desse problema se reflete não somente na saúde física, mas também na saúde mental. É crescente o número de jovens com sintomas de depressão desencadeada por um padrão estético hiperproduzido, mas distante da realidade.
– Quantos “influenciadores”, “influenciadoras”, “celebridades” fizeram harmonização facial?
– Quantos “influenciadores”, “influenciadoras”, “celebridades” postam fotos com roupas íntimas para receber curtidas em redes sociais?
Já se constatam mudanças de hábitos em função da busca obsessiva por visualização. Há um mundo virtual que procura impor um modo de vida projetado para a ostentação do supérfluo.
A impermanência da modernidade líquida, tão refletida nas obras do sociólogo polonês Zygmunt Bauman, expõe a velocidade das mudanças e a facilidade do rompimento de laços afetivos. A volatilidade das relações cria uma instabilidade emotiva. Isso se torna visível diante do comportamento de pessoas que já desenvolveram “fobia social”, isto é, “Transtorno de Ansiedade Social” (TAS). Não se trata de timidez, mas do medo da crítica, das “lacrações”, dos julgamentos, do desconforto pelo fato de não querer aderir às trivialidades.
Embora não seja especialista no assunto, atrevo-me a dizer, sem nenhuma adesão ao moralismo conservador, que o despudoramento, a imodéstia, o exibicionismo, a parafilia merecem o olhar clínico de profissionais da Psiquiatria, da Psicologia, da Educação para orientar melhor a população sobre as patologias que são disseminadas nas redes sociais. Não se tratar do censurar, mas do proteger, do prevenir, do evitar, do orientar crianças e adolescentes para que não sejam manipulados por adultos nocivos.
A velocidade das mudanças que interferem no comportamento social exige uma adequação das nossas legislações, por isso, vejo de forma positiva a criação de leis que possam normatizar a postagem de conteúdos nas plataformas digitais, tendo como público alvo crianças e adolescentes. E aqui cabe citar o Artigo 227 na Constituição Federal:
“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
Nesse artigo, fica claro que a responsabilidade não é só do Estado, a família e a sociedade também devem agir eficazmente para proteger crianças e adolescentes, evitando assim a adultização delas de forma precoce e irresponsável.
Assim como se tem uma fiscalização para evitar a exploração do trabalho realizado por criança, também é preciso ter uma vigilância sobre o que chega às mãos das crianças e adolescentes via celular. Portanto, o esforço é coletivo. O caso não é só de polícia, mas também remete à educação que se pratica nas escolas e no ambiente domiciliar. E requer um serviço de inteligência no combate à pedofilia e à exposição de crianças a conteúdos destinados a pessoas adultas.