Professor, profissão de risco
Às vezes, desavisados me distinguem com vocativos que não mereço: “doutor”, “educador”, “psicólogo”. Nenhum me orgulha mais, embora também imerecido, que o de “professor”. Nobre vocação de família que sempre me cativou, mas que não tive competência para alcançar. Quando muito, virei um “para-professor”, leigo que dá aulas. Bom pedaço da vida passei dentro de escolas, em apoio aos verdadeiros mestres, bem como aos alunos e suas famílias.
Por isso doem as notícias sobre a desgraça da violência contra professores. O Globo noticiou uma denúncia a cada três dias. Pesquisa da OCDE pôs o Brasil em 1º lugar mundial nesse ranking! Outra, da Unesco, teve igual resultado. A Prova Brasil 2015 revelou que 22,6 mil professores foram ameaçados naquele ano e 4,7 mil efetivamente agredidos. Outros dados assustadores: 2,3 mil educadores presenciaram alunos com armas de fogo dentro da escola; outros 12 mil viram alunos com armas brancas; 13 mil tiveram que lidar com alunos embriagados; 29,7 mil tiveram drogados nas classes. Cada vez mais comuns, dizeres como o de um aluno em Brasília ano passado: “professor que enche o saco a gente põe fogo no carro, fura os pneus e quebra as pernas”. É frequente a depredação de escolas em retaliação contra atos disciplinadores de esforçadas direções. Pichações com ameaças a docentes também são correntes. Afora o corriqueiro bullying virtual contra educadores.
Desse quadro de horror, resulta grande número de afastamentos por motivos de saúde, de mestres com danos emocionais e psíquicos, que acabam virando graves problemas orgânicos. Legisladores de boa vontade têm aprovado leis de “proteção ao professor” em certos estados e municípios. Leis bonitas, mas redundantes, frente ao aparato legal já existente. Como os Códigos Civil e Penal, ECA e Constituição (que já trazem dispositivos que protegeriam o professor), serão letra morta, se não se revolucionar estruturalmente a realidade das escolas.
Durante anos, contra a má vontade de muitos, dirigi o Projeto Escola da Paz. A premissa era: lei alguma proíbe o exercício da disciplina, antes, pelo contrário, a exige; e só haverá paz na escola se houver mudança global e radical. Resgate da autoridade da equipe escolar, comprometimento efetivo da família e engajamento dos alunos na sua própria transformação. No Projeto, minhas duras e motivadoras palestras seguiam esta sequência: direção, equipe escolar, famílias, e só então os alunos. Após, elegiam-se representantes dos estudantes. Treinados como Agentes da Cidadania Escolar, retornavam às unidades para ações benéficas e motivadoras da disciplina e da paz escolar. Como o emblemático Dia do Respeito ao Mestre. Os alunos se organizavam para (rememorando tempos de outrora), como sinal de reverência e vontade de mudança, de pé e em silêncio, receberem os docentes. Alguns chegaram a recebê-los com tapete vermelho, música, aplausos e flores. Havia lágrimas. Às vezes encontro algum ex-Agente, e ouço: “aquele projeto me deu um futuro”, “salvou minha vida”. Ou um professor: “me deu esperança”.
Infelizmente, a incompreensão e boicote de certas autoridades, fez a ideia durar só 03 anos. Quando chamado, sigo fazendo palestras, agora avulsas. Mas mantenho a convicção de que só a visão sistêmica – mudança coletiva de atitudes de docentes, família e alunos – pode resgatar a paz nas escolas. E fazer com que o nobre magistério deixe de ser profissão de risco.
denilsoncdearaujo.blogspot.com