
Moradores do Conjunto Habitacional Rayane Aparecida Filgueiras, conhecido como “casinhas” da Rua Ceará, foram surpreendidos nessa terça-feira (29) por novas demolições no local, determinadas por ordem judicial. Segundo a Prefeitura, foram derrubados um muro e algumas vigas em área de risco, além de uma garagem e um curral situados em área de preservação ambiental.
Desde 2002, tramita na 1ª Vara Federal de Petrópolis um processo que contesta as construções consideradas irregulares na área — os chamados “puxadinhos” —, situada em zona de proteção ambiental. O tema será discutido em audiência marcada para o dia 20 de agosto.
O conjunto habitacional foi entregue em setembro de 2002 a 70 famílias que perderam suas casas na tragédia de dezembro de 2001. Ao todo, a Prefeitura construiu 28 prédios com 112 apartamentos. O nome do conjunto homenageia Rayane Aparecida Filgueiras, uma menina de quatro anos, filha caçula da servidora pública Andréa de Fátima Filgueiras, que morreu em um deslizamento no bairro Independência.
À época, a Prefeitura informou ter investido cerca de R$ 2 milhões na construção dos imóveis, com unidades de 35 metros quadrados e quatro cômodos. Os blocos eram multifamiliares, com dois pavimentos.
Com o passar dos anos, as famílias aumentaram e ampliaram as construções originais. Em 2019, já com o processo judicial em andamento, a Prefeitura determinou a demolição dessas ampliações e o pagamento de indenizações. O argumento era que as famílias haviam sido alertadas sobre a proibição de alterações que descaracterizassem os imóveis, além da necessidade de preservar o Meio Ambiente.
Na ocasião, 112 imóveis foram intimados, e o município chegou a solicitar o pagamento de indenização no valor de R$ 1,5 mil. No entanto, após debates, a Prefeitura recuou quanto à cobrança.
“A omissão dos órgãos públicos permitiu que as construções avançassem ao longo desses 18 anos. Agora, depois de mais de uma década sem qualquer tipo de fiscalização, a Prefeitura vem e intima os moradores a demolirem as casas sem ter feito qualquer estudo ou levantamento social na região. Dessas 112 intimações, pelo menos 80 são moradias, não são apenas um anexo ou ‘puxadinho’. As pessoas moram nelas. Se forem demolidas, para onde vão essas famílias? Elas serão realocadas?”, questionou à época a defensora pública Andréa Carius, hoje aposentada.
- Em 2019, Prefeitura determinou demolição de 112 imóveis
- Também em 2019, ação pediu anulação de pedidos de demolição das ‘casinhas’
A ação dessa terça reacendeu o debate e a preocupação entre os moradores. Laís Pereira Ramos, que está construindo uma casa no local para sair do aluguel, também reclamou do tratamento recebido. “Em momento algum, nos trataram como cidadãos direitos. Nos trataram como lixo, como ratos”, desabafou.
O processo judicial foi movido pelo Ministério Público Federal (MPF), com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) como parte interessada. A Comdep e o município de Petrópolis figuram como réus. Devido à repercussão social do caso, o Centro de Defesa dos Direitos Humanos (CDDH) foi admitido pela Justiça para auxiliar com informações.
A ação gerou repercussão no meio político. A vereadora Júlia Casamasso (PSOL) criticou a diferença de tratamento entre as construções e outras, de pessoas com maior poder aquisitivo.
“É evidente que há dois pesos e duas medidas: quando se trata da elite, o poder público flexibiliza; quando se trata do povo, aplica o rigor da lei com violência e sem diálogo. Estamos acompanhando o caso de perto, entendendo se haverá mais alguma demolição nos próximos dias. Justiça ambiental de verdade precisa incluir justiça social, participação popular e o direito à permanência das comunidades que resistem nesses territórios”, disse.
O que dizem os envolvidos
A Secretaria de Estado de Polícia Militar informou que agentes do 26º BPM (Petrópolis) prestaram apoio a órgãos estaduais e municipais responsáveis pelas demolições em área ambiental. Segundo a nota, “não houve alterações”.
O comando da corporação também reiterou que não compactua com cometimento de excessos e crimes realizados por seus entes, punindo com rigor os envolvidos quando constatados os fatos.
A Polícia Militar informou, ainda, a importância da formalização de denúncias por meio da Ouvidoria da SEPM, que está sempre à disposição dos cidadãos através do telefone (21) 2334-6045 ou e-mail ouvidoria_controladoria@pmerj.rj.gov.br. Além disso, a Corregedoria Geral da SEPM também está disponível através do telefone (21) 97598-4593 ou pelo site https://www.cintpm.rj.gov.br/. O anonimato é garantido.
A Prefeitura de Petrópolis esclareceu que as demolições ocorreram em cumprimento a ordem judicial. Segundo o município, a ação foi realizada de forma conjunta entre o ICMBio, as secretarias municipais de Defesa Civil, Meio Ambiente, Planejamento, Obras e Assistência Social, além da Comdep e do CDDH, com apoio do 26º BPM.
“A Prefeitura reforça que nenhuma moradia habitada foi demolida e que cumpriu a ação judicial, iniciada em 2002. A secretaria de Assistência Social, está realizando um cadastramento social”, concluiu a nota.
O ICMBio disse que a operação teve como alvo as construções em andamento. O órgão reforçou que casas habitadas não foram incluídas, tampouco foram registrados incidentes entre a população e os agentes durante a operação.
Leia mais notícias sobre Petrópolis e região