• ‘Problema da dissuasão é que basta falhar 1 vez’, afirma diplomata brasileiro

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  • 01/03/2022 08:29
    Por Renata Tranches / Estadão

    A ordem de Vladimir Putin para que as forças de dissuasão nuclear fossem colocadas em alerta máximo expôs uma retórica assustadora, levando a uma comparação com a ameaça de uso dessas armas na crise dos mísseis. “Uma vez iniciada uma conflagração, o risco de escalada até chegar ao uso de armamento nuclear é incalculável”, avalia o diplomata brasileiro Sérgio de Queiroz Duarte, que foi alto-representante das Nações Unidas para Assuntos de Desarmamento. Ele hoje preside a organização internacional de luta contra as armas nucleares Pugwash, ganhadora do Nobel da Paz de 1995.

    Como o anúncio de Putin muda a dinâmica entre as superpotências nucleares?

    O anúncio suscita grave preocupação, sobretudo nos países europeus, mais diretamente ameaçados por um conflito nuclear. Uma vez iniciada uma conflagração, o risco de escalada até chegar ao uso de armamento nuclear é incalculável. Na verdade, as duas principais potências, assim como outros países possuidores dessas armas, já mantinham suas forças nucleares em elevado nível de alerta, mas agora a retórica é mais direta e assustadora. O que parece haver mudado com a atitude de Putin é o tom das ameaças, que agora são menos genéricas e dirigidas contra países específicos. A lógica da dissuasão obriga a estar sempre preparado para retaliar contra uma agressão de fato ou mesmo potencial, a fim de evitar que a agressão se concretize. Como já disseram inúmeros analistas na era nuclear, o problema da dissuasão nuclear é que ela somente pode falhar uma vez.

    Como o sr. analisa este momento de tensão envolvendo ameaças de uma superpotência nuclear?

    Desde a crise dos mísseis de Cuba, em 1962, o mundo não se via em perigo tão grave de uma conflagração com o uso de armas nucleares como agora. Os líderes mundiais precisam usar de bom senso e comedimento para reduzir as tensões. Infelizmente, o bom senso parece esgotar-se rapidamente. Somente a retomada do diálogo e negociação poderá operar uma mudança na situação atual. A opinião pública tem um papel fundamental a desempenhar, ajudando a trazer de volta a sanidade ao relacionamento entre os poderosos.

    Como isso afetará daqui para frente as negociações sobre desmantelamento de arsenais nucleares?

    O tratado Novo START, de 2009, estabeleceu limites a ogivas e vetores nucleares dos EUA e Rússia. Em consequência, certo número de armas foi desmantelado, mas as que ainda existem, em posição de disparo ou armazenadas, são mais do que suficientes para extinguir a vida no planeta e a civilização como a conhecemos. Desde aquela época não houve continuação dos entendimentos para reduzir ainda mais os estoques e para incluir outros países nucleares nas negociações. Nas circunstâncias atuais parece muito difícil que essas negociações possam ser retomadas em breve. Existem hoje no mundo aproximadamente 13 mil armas nucleares, das quais cerca de 95% estão nas mãos da Rússia e EUA.

    O sr. acredita que a invasão da Ucrânia pode desencadear uma poderosa corrida armamentista no mundo?

    Uma nova faceta, altamente tecnológica, da corrida armamentista já está em curso há alguns anos, disfarçada em “modernização” dos arsenais existentes. A invasão da Ucrânia poderá estimular a aquisição de novas armas por diversos países que se consideram ameaçados pelos graves acontecimentos recentes. Poderá também estimular a participação de novos países em alianças militares existentes ou mesmo a formação de novas alianças. A esperança é que esses acontecimentos estimulem também debates voltados para a busca de soluções realistas, tanto nas Nações Unidas quanto nas instâncias regionais como a Otan e também, principalmente, entre as próprias grandes potências.

    Como poderia ser o impacto dessa ameaça de Putin para as já tensas negociações com a Coreia do Norte e Irã?

    Infelizmente, o comportamento das grandes potências acaba por convencer os líderes de países como a Coreia do Norte e correntes mais radicais em outros, como o Irã, de que a opção nuclear oferece vantagens em relação à decisão de manter-se livre desse armamento. O exemplo que até hoje nos dão as potências nucleares é altamente negativo e perigoso. A segurança de todos se vê prejudicada pela obstinação dessas últimas em manter indefinidamente e aperfeiçoar constantemente suas capacidades bélicas, principalmente as de destruição em massa.

    As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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