• Primeira participação de um brasileiro negro na Olimpíada completa 100 anos

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  • 23/jul 15:09
    Por Leonardo Catto / Estadão

    Os olhos do mundo miram Paris para os Jogos Olímpicos. Separadas por um século e um universo de mudanças na forma de acompanhar esportes, a edição de 1924 tinha o mesmo endereço que a deste ano. Na capital francesa, há 100 anos, Alfredo Gomes foi o primeiro atleta negro a representar o Brasil em uma Olimpíada. O feito é motivo de orgulho do Clube Espéria, em São Paulo, onde ele treinava, e visto como um dos legados deixados pelo corredor.

    Alfredo Gomes nasceu em Areias (SP), no Vale do Paraíba, em 1899, somente 11 anos depois da abolição da escravatura no Brasil. Os avós eram pessoas escravizadas que haviam sido libertadas. Ele se mudou para São Paulo, onde trabalhava como eletricista. O trabalho era conciliado com atividades de futebol no Clube Espéria, fundado por italianos às margens do Rio Tietê, em 1899.

    Do campo, Alfredo foi para a pista. Ele tinha destaque e vencia provas organizadas na capital paulista. Por isso ganhou o apelido de “Rei do Fôlego”. “Ele foi aceito pela elite esportiva, a qual a maioria era branca. Ele só correu pelo Clube Espéria, fundado por imigrantes italianos. É um lugar onde ele foi muito bem quisto”, conta Antonio Carlos de Paula, neto de Gomes e autor de duas obras sobre o atleta: “Alfredo Gomes: Vida, Vitórias e Conquistas” e “Brasil – 100 Anos de Negritude Olímpica”.

    O caso de Gomes era exceção. O contexto era de heranças escravagistas latentes. Em 1921, por exemplo, o presidente Epitácio Pessoa pediu que a Confederação Brasileira de Desportos não convocasse jogadores negros para o Sul-americano do Chile, no que foi uma das primeiras apropriações políticas da seleção brasileira de futebol.

    Nesse cenário, Gomes continuava a treinar e vencer. Ele participou da seletiva de atletas da Federação Paulista para os Jogos Olímpicos de 1924 e foi um dos escolhidos para provas de 800m, 1.500m, 3.000m com obstáculos, 5.000m e cross-country. Foi ele também o porta-bandeira do Brasil.

    O problema é que o Comitê Olímpico Internacional já havia recebido, com surpresa, a informação de que o Brasil não participaria do atletismo nos Jogos. Isso foi contornado, mas outro problema se estabeleceu: o custo da viagem, feita de navio, na época.

    “Precisou passar o chapéu para arrecadar dinheiro. Não tinha recursos. Tanto que foi uma equipe reduzida, com oito atletas somente. A falta de incentivo ao esporte é centenária. Hoje melhorou. Naquela época, era amor ao esporte, com uma chama de amadorismo até”, descreve Antonio Carlos.

    O Estadão participou da divulgação da arrecadação, a qual chamou de “iniciativa digna de apoio”. “A campanha que o Estadão realizou que foi muito importante para os atletas viajassem”, conta o historiador do Clube Espéria, André Bertin. Entre 22 e 25 de maio de 1924, o jornal publicou notas com a situação da Federação Paulista em relação à viagem, listando as contribuições com o nome de doadores e valores doados. Em 27 de maio, a delegação partiu rumo a foi Santos e, de lá, para a França.

    “O povo de São Paulo, tão generoso em favor das iniciativas realmente úteis para a colectividade, está compreendendo bem a importância e o alcance dos esforços da Federação Paulista de Atletismo para que o Brasil não deixe de ser representado na Olimpíada de Paris e assim lhe vem prestando significativo apoio”, dizia a edição de 23 de maio de 1924.

    Das provas que estava inscrito, Alfredo acabou disputando apenas os 5.000m, no qual ficou em nono, e o cross-country individual. Este último não foi completo por Alfredo e outros 23 atletas, que pararam a prova devido a um calor acima 40ºC do verão parisiense.

    Os resultados foram celebrados mesmo assim. “Com o decorrer do tempo, na medida que as pessoas foram tomando consciência da importância do atleta, abriu espaços para outros. O Alfredo Gomes deixou um legado nesse sentido. Um símbolo da sua época, fazia pouco tempo que havia sido assinada a Lei Áurea, com as dificuldades da época na inserção na sociedade”, aponta Bertin.

    Ele cita outros atletas do Espéria que vieram após Gomes, como José Bento de Assis, Wanda dos Santos e Melânia Luz, a qual teve sucesso pelo São Paulo.

    No resgate da memória do avô, Antonio Carlos cita a dificuldade de contar a história de um atleta negro dos anos 1920. “Há um branqueamento do esporte brasileiro. Que dirá com os outras (áreas). Fizeram isso com Machado de Assis. Só depois de anos trouxeram que a figura não era a que se vendia na capa de livros”, critica.

    Após os Jogos de 1924, a delegação ficou ainda seis meses na Europa. O retorno imediato não foi possível devido à Revolta Paulista deflagrada por tenentistas naquele ano.

    De forma autodidata, Gomes aprendeu inglês, italiano, alemão e francês. Ele disputou provas no tempo ficado no continente europeu. Segundo Antonio Carlos, a medalha de ouro de uma delas foi derretida e serviu de aliança de casamento entre ele e a noiva, Camila Gomes.

    ALFREDO GOMES FOI O 1º VENCEDOR DA SÃO SILVESTRE

    A mais famosa corrida da América do Sul foi criada em 1925, ainda restrita a paulistanos. Na primeira edição, Gomes foi o vencedor. Em 1954, com 55 anos, o atleta continuou a correr, apenas para provar que conseguia chegar no final da prova. “Ele abriu caminhos para outros. Foi uma barreira muito grande. É incrivelmente triste essa situação”, conclui o neto.

    O corredor ainda treinava aos 64 anos, até 17 de março de 1963. Ele havia completado 2 km, quando chegou à exaustão, e o corpo não aguentou mais. Foi na mesma pista do Clube Espéria que a vida de Alfredo Gomes chegou ao fim.

    Os feitos dele continuam vivos na memória. Em 4 de agosto, haverá a segunda edição da Corrida Alfredo Gomes, em Areias. Cada nova forma de relembrá-lo é uma iniciativa digna de apoio.

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