• Prefeitura interrompe Projeto Independência em escola

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  • 21/05/2017 07:00

    "Roubaram das crianças do Alto Independência a oportunidade de um ensino diferente". Com essa frase a dona de casa Débora Gomes Balter Gall da Silva, de 32 anos, definiu o sentimento dos pais e alunos da maior escola municipal do bairro que desde 2015 contava com uma proposta inovadora de aprendizado: o Projeto Independência. Em janeiro, sem aviso prévio e sem ouvir a comunidade, a Prefeitura interrompeu o projeto que atendia 60 estudantes do 3º, do 4º e do 5º ano do ensino fundamental. 

    "Quando o projeto começou pensei: a educação vai mudar a realidade das crianças aqui do bairro. É triste você sair de casa e ver os meninos corrompidos pelo tráfico. Não quero isso para a minha comunidade e a educação, o Projeto Independência tem essa proposta, de mudar a vida da crianças. Estamos muito tristes com tudo isso e sem entender porque acabaram com algo tão bonito e que beneficiava a todos", disse Débora. 

    O encerramento do projeto virou alvo de uma ação civil pública proposta pela 1ª Promotoria de Justiça da Infância e Juventude da Comarca de Petrópolis. "Queremos uma explicação da Prefeitura e da Secretaria de Educação sobre o fim do projeto uma vez que o custo para o município é zero", questionou o promotor Vicente de Paula Mauro Junior. "O Projeto Independência era um modelo a ser seguido e implantado em outras escolas. É algo inovador que deveria ser ampliado e não interrompido", ressaltou. Todos os professores que atuavam no projeto já foram realocados para outras unidades da rede. E as crianças voltaram a ter o modelo "antigo" de educação.

    O Projeto Independência tem como modelo de ensino a reconfiguração da prática pedagógica e promoção de uma maior qualidade da educação baseada no trabalho em comunidades de aprendizagem. O aluno fica na escola sete horas por dia e além do currículo regular, participa de oficinas e outras aulas extracurriculares que acontecem em espaços reconfigurados, com as carteiras dispostas de modo a incentivar a participação nas aulas. O material escolar é coletivo, e todas as regras de convivência foram pactuadas entre professores e alunos. Além disso os estudantes têm, ao longo do dia, três intervalos de dez minutos cada – e são eles que definem o horário.

    "Meu filho tem déficit de atenção, não gostava de estudar e não fazia amigos. Depois que ele foi projeto tudo mudou. Se relaciona com os coleguinhas, tem vontade e gosta de estudar. Ele é outra criança, muito mais interessado nas coisas, presta atenção e está mais calmo", contou Débora. Outra mãe de alunos que participavam do projeto Ester Ribeiro de Freitas Oliveira, de 34 anos, também relata mudança no comportamento e aprendizado dos filhos. "Meus quatro filhos estavam no projeto. As notas melhoraram e tinham muita vontade de ir a escola, estudar não era mais uma obrigação", frisou.

    O Projeto Independência tem a proposta de ser intersetorial e contava com a participação de educadores, um psicólogo, um representante do setor de Educação Integral da Secretaria de Educação, e uma representante de universidade. O modelo de ensino foi pensado pelo educador e pedagogo português José Pacheco, que idealizou a Escola da Ponte, em Portugal, e desenvolve o Projeto Âncora, em uma escola da periferia de São Paulo. O projeto Independência tem o apoio da empresa EcoHabitare (do educador José Pacheco) e da organização não-governamental Parceiros da Educação.

    "O projeto vai continuar e ninguém vai impedir. Infelizmente já estou habituado a situações como esta. No Brasil, é assim, toda vez que muda um governante projetos são cancelados. Foi uma decisão precipitada, um pessoa consciente vai perceber que o projeto tem que continuar", lamentou José Pacheco. "Esse modelo tradicional de educação não tem mais resultados. Atualmente temos nas escolas alunos do século 21, professores do século 20 e práticas do século 19. O que pregamos é: aprender sem paredes e no convívio com os outros”, ressaltou o educador e pedagogo.

    Claudia Passos, coordenadora de projetos do EcoHabitare, lembra que o projeto Independência foi um dos 178 selecionados no Mapa da Inovação e da Criatividade da Educação Básica, feito pelo Ministério da Educação – a chamada pública contou com mais de 700 unidades inscritas. Além disso, o modelo de ensino implantado no escola foi elogiado pelo Ministério Público Estadual. "Eles visitaram a escola e viram a diferença que fez na vida da crianças. Foram mudanças cognitivas, emocionais e sociais", disse. Segundo Claudia, o projeto seria ampliado em 2017, beneficiando todos os cerca de 120 alunos da escola.

    O psicólogo e consultor do projeto Independência dentro da EcoHabitare, Diego de Almeida Macedo, também lamentou o encerramento das atividades. "Quando o projeto foi apresentado pelo José Pacheco a antiga administração, a Escola do Independência abraçou o novo modelo. Toda a comunidade estava sendo beneficiada. Era transmitido mais que educação, era afeto", disse.

    Na próxima semana acontece uma reunião entre o promotor Vicente de Paula Mauro Junior, pais, representantes da EcoHabitare e da secretaria de Educação. "Estamos nessa caminhada e esperamos sair do encontro com uma boa notícia", concluiu Claudia Passos. 

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