Portugal, meu avozinho
Se eu lhes contasse a história de um homem que ao receber uma herança deitava-a fora recusando aceitá-la, era difícil crer, outros ainda diriam: isto não existe nem aqui nem na China! Ora, dizem que os chineses comem tudo que se move, mexe ou anda, de Macau ao Cantão. Desconfio que nós brasileiros não percebemos com clareza as nossas origens, não vemos que o nosso ventre já era índio antes mesmo dos portugueses aqui aportarem, a miscigenar-se também com os negros. Mesmo isso, assim nos tornamos nós mesmos os autores deste gesto suicida. Por vezes me pergunto como persistimos em atirar fora o nosso legado? A herança herdada de nossos avós lusitanos.Fico a cogitar por que nem as autoridades brasileiras, tampouco os políticos e raros intelectuais sequer
mencionam o nosso Avozinho, como graciosamente Manuel Bandeira o chamava. Quando estive em Portugal deu-me vontade de escrever este artigo a pensarmos juntos a imensa herança recebida. Ao ver nossos laços se esgarçarem mais e mais, lembro-me de um agricultor português oriundo do
bairro Caxambu em Petrópolis a quem perguntei de qual província provinha ele, disse-me então: – Eu sou da terra de Viriato, dificilmente eu teria ouvido falar ou mesmo lido a epopéia de Viriato Trágico. (Braz Garcia de Mascarenhas um nobre Português nascido em1596 junto a serra da Estrela divisa com Espanha, vindo mais tarde a servir D João IV na revolução de 1640).
Contudo este agricultor exaltava suas lusas raízes, bem sabia contar com devoção a dita história do valente herói que conseguiu manter os conquistadores romanos a distância por longo tempo. Reza a lenda que ao final foi envenenado e morto à traição enquanto dormia. Quando um português
fala a nossa língua com seu sotaque característico deveríamos ouvir atentos as vozes de nossas origens. Talvez seja fácil deixar-nos embalar pelo charme gaulês, pela eficiência anglo saxônica ou mesmo o modernismo americano tão mais próximo de nós geograficamente, invasivo na política, economia e espionagem.
De Notre Dame em Paris a Miami, o que preferem alguns brasileiros? Mas, quantos conhecem as joias arquitetônicas portuguesas, apenas como ligeira referência o Mosteiro da Batalha, o Palácio de Sintra, a Universidade de Coimbra. Além de nossas próprias joias como o Mosteiro de São Bento e o Real Gabinete de Leitura, ambos no Rio e o farol da Barra, em Salvador.
‘O que é nosso não pode ser bom!? Este é o pior tipo de subdesenvolvimento a nos atingir a autoestima, insidioso, tal a indiferença a ecoar enraizada em nossas mentes: y compris Portugal-Brasil: Longa é a lista das omissões e nos faz falta como nação, aqui e acolá, algum auxílio da consciência e da tradição, mas tenho fé nem todos terão esquecido. Muitos hão de cantar com Manuel Bandeira: “Oh Portugal do bom trigo e do bom vinho que nos deste Ai! Avozinho este
gosto misturado de saudade e de carinho” (1948).