• Por que jovens da base do Palmeiras acumulam casos de problemas de comportamento

  • Continua após o anúncio
  • Continua após o anúncio
  • 22/07/2022 20:43
    Por Ricardo Magatti / Estadão

    Patrick de Paula descumpriu o protocolo sanitário do Palmeiras ano passado ao ir em uma festa clandestina. Também usou brinco em uma partida do Brasileirão. Gabriel Veron foi visto em uma balada bebendo cachaça recentemente na antevéspera de um jogo importante. E agora Renan, zagueiro emprestado ao Bragantino, se envolveu em acidente com morte em que deu sinais de embriaguez que lhe fez ser preso. Como explicar o comportamento desses jovens atletas, promissores em campo, mas donos de decisões erradas fora dele?

    Para o psicólogo João Ricardo Cozac, presidente da Associação Paulista de Psicologia do Esporte, os problemas de comportamento desses talentosos garotos estão associados a uma não vivência regular de fases naturais do desenvolvimento humano. Como muitos surgem com destaque precocemente, acabam pulando etapas importantes em suas vidas, o que faz com que ajam sem racionalidade em algumas situações.

    “Boa parte dos atletas de futebol têm que abandonar períodos importantes do desenvolvimento humano, tais como infância e adolescência e até o ingresso na fase adulta. As lacunas psicológicas, sociais e emocionais geradas por conta disso deixam os atletas mais vulneráveis e suscetíveis a comportamento menos adaptados no universo social”, explica Cozac.

    “Por isso, é importante o trabalho de base da psicologia do esporte”, acrescenta. A maioria dos principais clubes do País dispõe de psicólogos para orientar e cuidar de questões mentais dos atletas. Na base do Palmeiras, por exemplo, há um núcleo psicossocial, com duas psicólogas, uma assistente social, uma pedagoga e um coordenador socioeducacional.

    Patrick de Paula, Gabriel Veron e Renan são crias do Palmeiras, mas não estão mais no clube paulista. Todos tomaram novos rumos neste ano. Danilo e Gabriel Menino, que ainda permanecem no elenco comando por Abel Ferreira, também chegaram a ser advertidos.

    O volante foi negociado com o Botafogo, o atacante acaba de se apresentar no Porto, de Portugal, e o zagueiro está desde abril no Red Bull Bragantino. Mas seu contrato, ao contrário dos outros dois, é de empréstimo, com vigência até o fim desta temporada. O vínculo com o Palmeiras termina apenas no fim de 2025.

    Coordenador das categorias de base do Palmeiras desde 2015, João Paulo Sampaio trabalhou com Patrick, Veron e Renan, além de tantos outros meninos de perfis diferentes. O dirigente, que também foi jogador, considera que o clube é o menos culpado nesses casos. Lembra que muitos atletas são, ainda jovens, arrimo de família, e diz que o lado problemático, na maioria das vezes, é resultado de uma educação ruim. “Os pais, às vezes, não dão limites”, comenta.

    “Os clubes fazem sua parte, mas você cria dois gêmeos da mesma maneira, um sai para o beme outro para o mal”, adiciona, citando a declaração de Abel. “Como ele falou, é questão de educação”.

    Falta de consciência

    Na visão de Rodrigo Scialfa Falcão, psicólogo do esporte e psicoterapeuta, ainda que recebam orientações, falta a esses jovens futebolistas consciência ao adotar postura que capaz de colocar em risco a sua carreira e manchar a imagem do clube. “Talvez, esses exemplos têm a ver mais com questões pessoais”, afirma.

    Coincidência ou não, o Palmeiras se desfez do trio algum tempo depois dos episódios controversos, todos relacionados à ingestão de bebida alcoólica. Abel Ferreira se define como um “formador de homens” antes de ser técnico, e deu diversos recados aos que subiram da base. “Já disse várias vezes que os jogadores brasileiros são, de longe, os melhores tecnicamente, mas mentalmente têm muito a evoluir. A nível de educação, de formação enquanto homens. Eles, às vezes, não têm noção do que estão fazendo. É algo que está na formação”, avaliou ele, em entrevista recente.

    “Os atletas são pessoas públicas. Por isso, têm de ter responsabilidade. E esse, talvez, seja o ônus da fama. Alguns atletas não têm a noção de que servem de modelo e inspiração para outras pessoas. O comportamento deles é muito visto, penetra em todas as camadas da sociedade”, elucida Falcão.

    O especialista em psicologia do esporte e psicologia clínica atua com jovens atletas há 16 anos e entende que o clube tem sua parcela de responsabilidade quanto à conduta dos jovens jogadores. Mas não só as agremiações. “É uma questão um pouco mais abrangente. Deveria envolver a família e os empresários também, principalmente no momento de transição da carreira”, diz.

    Renan, envolvido no caso mais grave, se recusou a passar pelo teste do bafômetro. Segundo a Polícia Civil, que esteve no local, o atleta apresentava sinais de embriaguez. O carro conduzido por Renan teria invadido a faixa contrária e batido de frente em uma motocicleta. O motociclista de 38 anos morreu no local. O jogador foi preso por homicídio culposo.

    “Qualquer comportamento tem suas causas e consequências. Eles têm que ser responsabilizados. Não é uma caça às bruxas. Se comprovado que o atleta dirigiu embriagado, é um mau exemplo que tem que ser combatido. E os clubes têm que estar na vanguarda disso”, opina Falcão.

    Últimas