Por que a Anvisa recomenda suspender vacina da Oxford em grávidas? Veja riscos
Especialistas avaliam os impactos da decisão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de recomendar a suspensão a aplicação da vacina de Oxford/Astrazeneca em grávidas. De acordo com a nota, a decisão é fundamentada no “monitoramento constante de eventos adversos possivelmente causados pelas vacinas em uso no País.”
Em abril deste ano, gestantes e puérperas (mulheres que deram à luz há até 45 dias) foram incluídas no grupo prioritário do Plano Nacional de Imunização do Ministério da Saúde. Primeiramente, Estados imunizaram profissionais da saúde pertencentes ao grupo e, em seguida, a campanha foi ampliada para grávidas e puérperas com comorbidades.
Com a decisão da Anvisa divulgada na segunda-feira, 10, alguns Estados decidiram nesta terça-feira, 11, manter a aplicação em gestantes com comorbidades apenas da vacina da Pfizer e da Coronavac.
Confira a seguir perguntas e respostas sobre o assunto:
Como avaliar a orientação da Anvisa para suspender a vacina de Oxford em gestantes?
Para Lorena de Castro Diniz, coordenadora do Departamento Científico de Imunização da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (Asbai), pelo fato de termos disponíveis no Brasil vacinas com categorias um pouco mais seguras como B para Pfizer e Coronavac, em bula, teoricamente é mais segura a recomendação da aplicação desses imunizantes em gestantes neste momento. “No caso da vacina de Oxford/Astrazeneca, a categoria é C para a aplicação em gestantes. Ou seja, se não tiver uma possibilidade de outra vacina, é preciso colocar na balança riscos e benefícios de vacinar ou não, de acordo com a situação epidemiológica do momento. Não é contraindicação, neste caso somente se fosse a partir da categoria D”, explica.
Ana Karolina Barreto Marinho, membro do Departamento Científico de Imunização da Asbai, avalia que decisão da Anvisa foi motivada por precaução. “Como é tudo novo, foi adotada essa medida de precaução. Devendo ser mantida a indicação de receber a vacina, mas com relatório médico mais estabelecido, sendo decisão tomada caso a caso. A Anvisa tomou cuidado maior em virtude de falta de dados, que já sabíamos, mas por outro lado, entendemos que não existe estudo em gestantes, mas em estudos in vitro e em cobaias, as vacinas mostraram segurança, sem risco para o feto. A Coronavac, por exemplo, é de plataforma que já conhecemos, vacina inativada e semelhante à vacina da gripe”, disse. “Com o tempo, foi visto que o risco de doença grave em gestantes supera o risco de eventuais efeitos adversos das vacinas contra a covid-19, mesmo que não existam estudos específicos nessa população”.
Todos as gestantes vacinadas são monitoradas. Na avaliação do presidente da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), Agnaldo Lopes, a morte de uma gestante vacinada com a Oxford/Astrazeneca provocou a suspensão do imunizante para este grupo. “Apesar de entendermos que isso precisa ser avaliado, é preciso estabelecer a relação de causa e efeito. A suspensão pode ser primeira medida para esclarecer e não colocar a população em risco”, avalia Lopes. Em contrapartida, ele lembra que a covid-19 está trazendo uma taxa elevada de óbitos e complicações entre gestantes no País. “À princípio, as outras vacinas (Coronavac e a vacina da Pfizer devem ser mantidas na campanha de imunização das gestantes”, avalia.
Podemos dizer que as vacinas contra covid usadas no Brasil são seguras em grávidas?
Embora ainda não haja estudos envolvendo a aplicação de uma das três vacinas (Coronavac, Oxford/AstraZeneca ou Pfizer) em gestantes, puérperas e crianças, elas são consideradas seguras. Todas estão sendo administradas apenas por recomendação no caso de grávidas e puérperas, diante até das gestantes que contraíram covid-19 e adoeceram gravemente.
“As três vacinas, teoricamente, são seguras em pacientes transplantados imunossuprimidos e gestantes, por exemplo. Estudos de fases 2 e 3 foram feitos em pequenos intervalos e número de voluntários muito baixo, não utilizando voluntários nesses grupos; dessa forma, os acontecimentos somente vão aparecer agora na fase 4, vacinando a população geral. Com isso, os eventos adversos também serão maiores, pois o número é proporcional ao número de vacinados”, afirma a coordenadora do Departamento Científico de Imunização da Asbai.
Ainda segundo a especialista, até o momento, os sintomas apresentados foram de leve a moderado, como febre, dor no corpo, dor nas articulações, moleza e sensação de mal-estar, geralmente durando de um a dois dias, sem a necessidade de procurar atendimento de emergência.
O que as grávidas que tomaram a 1ª dose da vacina de Oxford devem fazer?
Na opinião da coordenadora do Departamento Científico de Imunização da Asbai, quem tomouo a primeira dose da Oxford/Astrazeneca e não teve reação deve completar o esquema vacinal com o mesmo imunizante. “Para substituir a vacina, seria preciso recomeçar o esquema tomando a primeira dose de outro tipo de vacina, mas pode ser que isso provoque a falta de imunizantes para outros grupos prioritários que estão sendo vacinados. Hoje não há estudos que demonstrem eficácia com a intercambialidade, ou seja, administração de vacinas diferentes contra a covid-19 para primeira e segunda dose. Avalio que a gestante que tomou a primeira dose da Oxford/Astrazeneca e não teve nenhum sintoma pode tomar a segunda dose do mesmo imunizante. Já quem teve alguma reação ou não tomou ainda devem começar a imunização com a vacina Coronavac ou da Pfizer”, acrescenta Lorena.
Mônica Levi, diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), lembra que ainda não é possível afirma se fazer uma dose de cada laboratório é mais ou menos eficaz. “Não podemos dizer qual o resultado disso. O ideal na minha opinião seria fazer duas doses de outro laboratório. No entanto, é preciso ponderar se isso é mais correto do que vacinar pessoas que ainda não foram imunizadas ainda mais nesta situação de falta de vacinas”, avalia.
A gestante precisa monitorar sintomas, após se vacinar? Deve ter atenção a quais deles principalmente?
Dor de cabeça, turvação da vista e uma dor abdominal que não passa. “Mas são os mesmos sintomas de alerta de qualquer pessoa, nada específico para gestante. Não temos nenhum indício de que gestante tenha mais reação que a população em geral. Só que as grávidas não foram estudadas, essa é a questão”, afirma a diretora da SBIm. Mônica lembra que nas bulas das vacinas constam que gestantes, puérperas e lactantes não foram estudadas nas fases 1, 2 e 3. “Então, quando falamos de uma vacina que é de uso emergencial, está se considerando uma situação epidemiológica de alto risco, de uma pandemia, e se optou por opinião de especialistas sobre os riscos e os benefícios da vacinação”, afirma. A especialista avalia ainda que o risco associado à covid-19 na gravidez é muito maior que o risco relacionado à vacina.
Como deve ser a relação entre obstetra e paciente gestante diante desta suspensão?
“Infelizmente, no sistema público de saúde, a maioria nem tem acesso direito ao médico. Ficam desorientadas no meio de toda essa confusão. Já as gestantes que têm médico mais próximo têm mais esclarecimentos de riscos e benefícios. Uma questão de avaliar risco potencial da doença que é muito mais alto que risco possível de ter reação pela vacina”, afirma o ginecologista e obstetra da Universidade de São Paulo (USP) e do Hospital Albert Einstein, Igor Padovesi.
E a gestante que não quiser ser vacinada mesmo após orientação médica?
Para a integrante do Departamento Científico de Imunização da Asbai, a decisão da gestante que não se sentir confortável em tomar a vacina contra a covid-19 neste momento também deve ser respeitada. “Não há dados, mas, diante de tantos riscos em gestantes com comorbidades, a decisão precisa ser compartilhada entre gestante e médicos. Mas, claro, a gestante que não se sentir segura, precisa ser entendida e acolhida pelo medo de se vacinar neste momento”, avalia.
A decisão da vacinação e possíveis efeitos colaterais devem ser discutidos entre a gestante e o médico considerando o risco da doença para esse grupo. “As gestantes e lactantes do grupo de risco que não concordarem em serem vacinadas, devem ser apoiadas em sua decisão e orientadas a manterem medidas de proteção como higiene das mãos, uso de máscaras e distanciamento social. Lembrando que as vacinas disponíveis atualmente não são de vírus vivos e usam tecnologia semelhante às vacinas já utilizadas pelas gestantes, como a influenza”, orienta Ana Karolina.
Como a gestante deve lidar com a sensação de medo durante a pandemia?
Monalisa Nascimento dos Santos Barros, psicóloga e professora adjunta da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb) e pós-doutoranda sobre saúde mental perinatal na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, afirma que o medo é emoção que acaba tendo resposta fisiológica com aumento da adrenalina e cortisol, hormônios do estresse. “Isso acontecendo por repetidas vezes tem uma relação direta com a prematuridade e com o comportamento futuro do bebê que está exposto a uma dose alta de estresse ao longo de toda a gestação”, afirma.
A grávida, neste momento no Brasil, precisa gerir uma série de informações bastante difíceis. “Mais de mil mortes maternas durante a covid-19, o que aumenta muito a ansiedade e o medo. Além disso, a disputa de narrativas pela gestão da crise no País potencializa ainda mais essa situação. Informações desencontradas, atitudes sem muito embasamento ou liberação de vacinas sem informações adequadas”, acredita.
Para a psicóloga, a suspensão determinada pela Anvisa da vacina de Oxford/Astrazeneca é considerada muito intempestiva. “Sem muita discussão e sem balizar os riscos e os benefícios desta vacina. Produz ainda mais uma desestabilização emocional na gestante. E vale lembrar que a saúde mental é a primeira a ser atingida”, avalia.
Quais são as razões da Anvisa para a suspensão?
A Anvisa recomendou a suspensão imediata do uso da vacina contra covid-19 da Oxford/Astrazeneca em gestantes. Segundo nota técnica emitida na noite de segunda-feira, 10, o imunizante não deve mais ser aplicado em grávidas com comorbidades, como vinha ocorrendo em alguns Estados brasileiros.
A orientação da agência é para que seja seguida a bula atual do medicamento da Astrazeneca, onde não consta uso em gestantes. De acordo com a nota, a decisão é fundamentada no “monitoramento constante de eventos adversos possivelmente causados pelas vacinas em uso no País.”
O uso “off label” de vacinas, ou seja, em situações não previstas na bula, fica restrito aos casos em que haja recomendação médica, mediante avaliação individual, por um profissional de saúde que pondere os riscos e benefícios para a paciente.
Quais são os eventos adversos raros e mais comuns associados com a vacina de Oxford/AstraZeneca?
Segundo a diretora da SBIm, os eventos adversos são extremamente raros. “Eventos adversos raros que têm sido notificados são os fenômenos tromboembólicos com plaquetopenia. Alguns países do mundo que vacinaram com a Oxford/AstraZeneca notificaram casos de trombose com plaquetopenia em pessoas imunizadas, sendo principalmente mulheres após a administração da primeira dose. Mas em uma ordem de raridade muito grande. É preciso lembrar que a covid-19 pode dar trombose, assim com a gestação”, afirma.
A especialista lembra ainda que, logo após a vacinação, uma parcela da população costuma relatar febre, mal estar, indisposição e dor no local da aplicação. “Todas as vacinas podem dar, nas primeiras 48 horas, algumas com mais e outras com menos frequência. No caso da Oxford/AstraZeneca, são um pouco mais comuns, mas esses são eventos adversos comuns que nem precisam ser notificados”, acrescenta Mônica.
Igor Padovesi alerta para os sintomas de trombose que devem ser observados. “Dor na perna e dor atípica na panturrilha, junto com inchaços, são sinais iniciais de trombose venosa profunda ou falta de ar súbita, que seria no caso de trombose pulmonar, locais mais comuns em que podem acontecer tromboses”, orienta o ginecologista e obstetra da USP e do Hospital Albert Einstein.
Qual é a orientação do governo de SP e outros Estados brasileiros?
São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Bahia, Tocantins, Distrito Federal, Pernambuco, Espírito Santo, Maranhão, Mato Grosso e Santa Catarina decidiram interromper o uso da vacina de Oxford/Astrazeneca em grávidas após recomendação da Anvisa. Confira aqui todos os Estados.
O Rio de Janeiro investiga a morte de uma grávida que foi vacinada com a Oxford/Astrazeneca?
Sim. A Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro disse que uma gestante morreu após receber a vacina de Oxford/AstraZeneca, mas não deu detalhes sobre o caso. A ligação do óbito com o imunizante não está confirmada. “O caso foi notificado pela Secretaria Municipal de Saúde do Rio ao Estado e ao Ministério da Saúde. Todos os dados serão analisados pelo Ministério da Saúde, a quem cabe os processos de investigação de eventos adversos graves”, disse em nota.
Para quem a vacina de Oxford/AstraZeneca é contraindicada?
Não existe nenhuma contraindicação diferente até o momento em que se suspendeu a vacinação em gestantes. “Assim como a Coronavac e a vacina da Pfizer, o imunizante também não é de vírus vivo atenuado. Então, são indicadas até para quem tem comorbidades, pacientes com câncer, transplantados, entre outros. A contraindicação seria se tem alguma reação alérgica grave, choque anafilático após a primeira dose, não deve fazer a segunda dose desse mesmo produto, mas isso tende a ser uma contraindicação geral das vacinas. E se estiver doente ou com febre no momento da vacinação, deve adiar a aplicação”, diz a diretora da SBIm. “Agora, por causa do óbito de uma gestante que tomou a vacina Oxford/AstraZeneca, a Anvisa decidiu suspender a vacinação, o que é prudente. É preciso investigar se a gestante teve trombose porque iria ter de qualquer forma ou se isso está associado com a vacinação. E nós temos outras duas vacinas para continuar a vacinação”, acrescenta Mônica.
Esses motivos podem levar a problemas em outros grupos, como os mais idosos?
Segundo Ana Karolina, no momento não existem problemas para outros grupos que estão sendo vacinados. “Devemos seguir a vacinação conforme o planejado, a segurança e a eficácia para uso das vacinas. Temos que ter questões em mente, de que todas as vacinas continuam sendo monitoradas. Mas acredito que a decisão da Anvisa de suspender a vacina de Oxford/Astrazeneca para gestantes não impacte em outros grupos neste momento”, avalia.
“Teoricamente, os outros grupos podem continuar recebendo a vacina de Oxford/Astrazeneca, até segunda ordem”, concorda Lorena.
Quando haverá uma reavaliação sobre a situação?
É preciso aguardar a recomendação oficial do Ministério da Saúde. A pasta e a Anvisa ainda não emitiram pareceres técnicos acerca do tema.