• Por laranja mecânica

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  • 01/08/2021 08:00
    Por Ataualpa Filho

    Pelo tamanho da carniça, é possível deduzir a quantidade de abutres sobre ela. Ao urubu-rei, é dada a prioridade das primeiras bicadas em virtude da consistência de seu bico. Por ter um sistema imunológico resistente e um suco gástrico capaz de neutralizar bactérias e toxinas em carnes putrefatas, os urubus se alimentam de carniça sem sofrer problemas digestivos. Por essas evidências, é fácil entender as razões pelas quais são encontradas tantas pessoas que lesam o sistema de saúde do país e não sentem o menor remorso por contribuir para o aumento do número de óbitos nesta pandemia. É válido mencionar que as citadas aves são úteis, contribuem para a limpeza do meio ambiente que é danificado pelos nocivos abutres humanos.

    A Paz é como a chama de uma vela, precisa ser protegida dos ventos do ódio. Vejo a necessidade da disseminação da ternura, do amor, da gratidão, da empatia como antídotos das ondas rancorosas que pairam sobre o país em um momento tão inoportuno. O que menos necessitamos é de violência, da intolerância regada a sentimento de vingança.

    Hoje trago, à lembrança, o filme “Laranja Mecânica” de Stanley Kubrick, exibido pela primeira vez em 1971. Recebeu quatro indicações ao Oscar: melhor filme, melhor diretor, melhor roteiro adaptado e melhor edição. Mas não ganhou em nenhuma categoria. Porém é considerado como um dos clássicos da cinematografia do século XX. Marcou a cultura pop, exerceu fortes influências em diversas artes.

    Esse filme foi baseado no livro “A Clockwor Orange” de Anthony Burgess, escrito em 1961 e publicado em 1962. Stanley Kubrick manteve o título original e a mesma linha distópica na concepção futurista. As cenas de violência descrita no livro, que foi eleito pela revista Time com um dos cem melhores romances de língua inglesa do século XX, não chocou tanto quanto as cenas do filme que foi censurado em alguns países. No Brasil, foi exibido somente em 1978, com o crivo da censura. A comicidade ficou por conta das bolinhas pretas que cobriam as genitálias dos atores e atrizes que davam vidas às personagens. Mas a violência praticada pelo protagonista Alex é tão perversa quanto o tratamento a que ele foi submetido para mudar de comportamento. A terapia de condicionamento social descrita na obra colocou em discussão a questão da liberdade de escolha. Afirmou Burgess:

    “O que tentei argumentar, com o livro, era o fato de que é melhor ser mau a partir do próprio livre-arbítrio do que ser bom por meio de lavagem cerebral científica.”

    A autonomia para exercer a liberdade de escolha é um direito do cidadão. O “sim” e o “não”, o “certo” e o “errado”, o “bem” e o “mal”, o “bom” e o “ruim” passam por critérios de valores assimilados culturalmente na sociedade. Por isso, temos que arcar com os resultados das decisões coletivas do sistema democrático. É melhor assumir esse ônus do que perdera liberdade de escolha. Uso aqui novamente as palavras do autor do livro:

    “Creio que o desejo de restringir o livre-arbítrio é o verdadeiro pecado contra o Espirito Santo.”

    Concordo com essa afirmativa de Burgess. Deus criou o homem com aptidão para o discernimento. Somos livres para pecar e para amá-Lo sobre e em todas as coisas. Até o Criador respeita a liberdade de escolha das criaturas humanas. Precisamos aprender a viver em uma organização social e política sem querer ditar dores.

    Herdamos do século XX, os livros “Admirável Mundo Novo” (1932), de Aldous Huxley, e “1984” (1949) de George Orwell. Obras que também abordaram a ação do Estado tentando condicionar o comportamento social, exercendo controle sobre a liberdade de expressão, além de reduzir o homem a uma mera peça de um sistema que suprime a individualidade do ser. Moldar uma sociedade behavioristicamente é impossível. Não há como anular as introspeções, nem há como exercer controle sobre a sede de eternidade, nem sobre a busca da felicidade movida pelo amor. Os regimes totalitários sempre pecam quando tentam aniquilar as individualidades.

    O livre-arbítrio é inerente à natureza humana, uma dádiva divina, por isso que a democracia sempre estará nas aspirações de uma sociedade, porque, só assim, as individualidades são respeitadas.

    Os urubus não possuem habilidades e competências para tornar o cardápio deles mais palatável. Contudo, os abutres humanos bem que poderiamoptar pela vida e ouvir o clamor do povo. A misericórdia de Deus é infinita, há perdão para todos.

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