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  • 03/09/2023 08:00
    Por Ataualpa A. P. Filho

    “Bondinho vai! Bondinho vem!” Essa foi a frase pronunciada por uma freira quando olhava, com o pensamento distante, para o teleférico, com tantas vidas penduradas em um fio. A mencionada frase, ouvi no segundo domingo deste mês de agosto em Aparecida, ou seja, passei o dia dos pais na Casa da Mãe. Mas até hoje, a frase não saiu da minha cabeça.

    Na terça-feira (22/08), vibrei com o resgate de pessoas que ficaram presas em um teleférico na Província de Khyber Pakhtunkhwa, no noroeste do Paquistão. Houve o rompimento do cabo de aço e elas ficaram penduradas sobre um penhasco. Entre os resgatados, havia seis crianças. Talvez seja por isso que esta frase tenha ficado pendurada na minha cabeça: “Bondinho vai! Bondinho vem”…

    A vida tem esse ciclo do “ir e vir” nesta travessia do tempo. Às vezes, um fio se rompe e ficamos pendurados, precisando de resgate. Em caso de emergência, devemos pedir ajuda.

    Dessa viagem à Aparecida, eu trouxe várias reflexões. Mas nada extraordinário, apenas fatos cotidianos que refletem a nossa relação com o existir que sempre está vinculado ao próximo.

    Perto da porta central do Santuário Nacional de Nossa Senhora Aparecida, uma senhora demonstrando muita pressa, com a filha ao lado, dirigiu-se a uma freira:

    – Irmã, a senhora pode benzer esta imagem? – Ela segurava uma imagem de Nossa Senhora Aparecida. A irmã, surpresa com aquele pedido, deu uma resposta dentro dos preceitos da Igreja Católica:

    – A senhora deve procurar um padre para benzê-la.

    – Não, irmã, tô com muita pressa. Não é o padre que benze; é a fé. A senhora também pode benzer, a senhora é de Deus. O que vale é a nossa fé.

    A convicção da senhora sensibilizou a freira que benzeu a imagem como em um ato de emergência. O momento da bênção chamou a minha atenção, porque o fato foi tão rápido dentro do acaso que nenhuma perguntou o nome da outra. Cada uma saiu para um lado, carregando, na lembrança, aquele encontro diante da imagem de Nossa Senhora Aparecida.

    Gosto do anonimato, dos fatos assim despretensiosos, imersos na espontaneidade, na simplicidade guardada no silêncio. Sou atraído facilmente pelo o que o acaso propicia. Nesse mesmo dia, na parte da tarde, uma mãe com o filho, que completava seis anos, em um cantinho do imenso estacionamento do santuário, colocou uma toalha no chão e sobre ela, colocou um pequeno bolo de aniversário com uma velinha em cima, com uma amiga ao lado, talvez tia do garoto, sentados, cantavam “parabéns pra você…”

    Uma irmã, diante de tanta simplicidade, não se conteve, foi até lá e ajudou a animar a festa: aumentou o coro do “parabéns”, falou em nome de Deus e desejou muitos anos de vida a todos. Não tenho mais detalhes sobre os personagens dessa cena. Só quero dizer que passei por algo semelhante que jamais esquecerei:

    Uma amiga do período universitário, em um sete de junho de um ano que não lembro, depois da última aula no turno da noite, na sala do D.A., tirou da bolsa um bolinho de padaria, do tamanho de uma broinha, colocou uma velinha em cima e cantou parabéns bem baixinho.

    Ao longo dos meus anos de existência, já tive belas surpresas, belas manifestações de carinho de amigos e amigas que demonstraram e demonstram os efeitos da reciprocidade do afeto de uma amizade sincera. Mas aquela manifestação de carinho está na minha memória. Isso ocorreu em uma época de restrita liberdade. Acho que aquele garoto não vai esquecer o aniversário comemorado no dia dos pais ao lado da mãe em Aparecida.

    Outro fato que teve a minha atenção nessa visita à Aparecida ficou voltado para a discussão de um casal com a filha ao lado: cada um segurava uma vela do tamanho deles, mas discutiam diante de um pé de cera que havia caído e estava em pedaços no chão na entrada da Capela das Velas. Discutiam se teriam que comprar outro pé de cera para pagamento da promessa ou se levavam os cacos do pé quebrado. Não esperei para ver o desfecho. Contudo, viajei pela Literatura, lembrei-me do livro do Dias Gomes “O Pagador de Promessa”.

    Como éramos um grupo em missão, fiquei na berlinda de uma cena cômica: Assim que chegamos ao Santuário, houve uma pequena dispersão para ida ao banheiro. Porém mudei a minha rota. Só que o grupo não teve dúvida do local em que poderia me encontrar. Fizeram até apostas. Coube à Marta, minha esposa, a fazer a pergunta:

    – Nós sabíamos que iríamos te encontrar aqui na livraria. Agora a gente quer saber quantos livros você já comprou…

    – Apenas um sobre Nhá Chica – Ninguém ganhou a aposta. O “bolão” ficou acumulado para próxima viagem missionária.

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