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  • 24/07/2022 11:37
    Por Ataualpa A. P. Filho

    “A nossa crise provém, essencialmente, do excesso de civilização dos incivilizáveis.” Essa frase escrita por Fernando Pessoa, no início do século XX, desperta reflexões sobre os nossos dias afetados por insensibilidades sociais.

    Não sou adepto do pensamento determinista, pois acredito na existência do livre arbítrio. Vejo a liberdade como um dos princípios indispensáveis para a criatividade humana. Como educador, não creio que alguém seja “incivilizável”. Aprendi, principalmente com o Padre Quinha, a não desistir de ninguém. Portanto, não estou no grupo dos que acham que “o pau que nasce torto, morre torto.” Fico do lado de quem pensa que “de pequenino é que se torce o pepino”.

    É do conhecimento popular que “o sestro do cachimbo é que pode deixar a boca torta”. E também já passou pelo entendimento do povo que “não é o hábito que faz o monge”. Nem toda farinha vem do mesmo saco. Por questão de prudência, é preciso olhar as exceções para não cair no erro das generalizações. Com uma lanterninha, no meio da noite, é possível perceber que nem todos os gatos são pardos.

    Mas antes de prosseguir com a nossa prosa, quero lhe dizer que sou leitor compulsivo de Fernando Pessoa. O diálogo que mantemos vem de longas datas, do tempo em que eu fazia cartas de amor com pétalas de rosas desidratadas. Na época, não havia e-mail e os Correios não sofriam ameaças de privatização.

    Recitei, por várias vezes, sozinho em casa, o “Poema em Linha Reta”, tendo, na vitrola, a trilha sonora do filme nacional “Cidade Oculta”. Quase furei a oitava faixa do vinil, “Poema em Linha Reta – Balada do Ratão”, com a interpretação de Arrigo Barnabé, acompanhado de Patif Band. Também “gosto do Pessoa na pessoa/ Da rosa no Rosa”, como afirmara Caetano Veloso na canção “Língua”, na qual, ele afirma que “a poesia está para a prosa/ assim como o amor está para a amizade.”

    Vivemos uma evolução tecnológica. A Ciência caminha a passos largos, porém as relações humanas ainda não saíram da era primitiva. A selvageria urbanizada expõe a irracionalidade e a insensibilidade que atrofiam as esperanças de ver a Paz na Terra.

    A Tecnologia da Informação desencadeou, nos meios de comunicação, uma velocidade que possibilita a troca de conhecimento de forma rápida. Fato este que favoreceu o aprimoramento científico. O conceito de aldeia global tornou-se mais concreto, só que essa retribalização “moderna” está gerando um comportamento sem consistência afetiva. A perda da empatia vem instituindo relacionamentos formais em que “os negócios” passaram a ter prioridades. Com isso, os valores humanos são colocados em segundo plano.

    O mundo estaria “noutro patamar” civilizatório se os avanços científicos e tecnológicos fossem usados somente em função do bem comum, sem priorização de castas ou oligarquias. Não há paridade no acesso ao conhecimento. Nem todos desfrutam dos benefícios que a Ciência proporciona, principalmente no que tange à área de saúde. Por essa desigualdade, é que tendem a dividir a sociedade em classes. A falada pirâmide social foi criada com fundamentos em fatores econômicos. As sequelas da desigualdade são profundas. Basta dizer que a pandemia que atravessamos tem as suas raízes na precariedade higiênica encontrada até em países considerados desenvolvidos.

    Estamos agora, às voltas, com a chamada varíola dos macacos. No Brasil, foram registrados 592 casos. No mundo, 75 países notificaram a existência dessa doença que já afetou mais 16 mil pessoas. Fato este que levou o diretor-geral da OMS a declarar “emergência de saúde pública de alcance internacional”.

    A evolução tecnocientífica possibilitou o aumento da expectativa de vida. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) precisa ser ampliado por meio de gestões públicas que priorizam a qualidade de vida. E aqui recorro, mais uma vez, a uma frase de Fernando Pessoa: “rejeitamos o spartanismo idiota dos eugenistas, e do aperfeiçoamento à máquina das raças”. O bem-estar de uma população não se resolve com “pão e circo” (panem et circenses).

    O problema que hoje enfrentamos está ligado a questões éticas e morais. O conto do vigário está sendo dado até por aplicativo. Os avanços tecnológicos e científicos estão sendo usados nocivamente. O problema está na idoneidade de quem usa as ferramentas digitais. Quem tem a índole que leva a fraudar eleições vai tentar fazer isso seja em urnas eletrônicas ou não. Por isso, volto à chave geral: devemos servir ao Bem. Ser ponte para que, nesta travessia, o amor esteja sempre entre nós, pois sem ele não há paz.

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