• Pompa e circunstância para o ditador (pobre de) Maduro

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  • 03/06/2023 08:00
    Por Gastão Reis

     Muitos anos atrás, escrevi um ensaio para o saudoso JB (Jornal do Brasil), que foi publicado, em 31/03/1991, no Caderno Especial dominical, com chamada de capa, intitulado “A Falência da República”, título que se mantém atualíssimo face à vidinha republicana medíocre que nos desrespeita dia sim e outro também. Tinha seis laudas e as deixei na portaria no jornal receoso de que o texto não fosse publicado. Mas foi, e me valeu muitas entrevistas a jornalistas, rádios e TVs em função da proximidade do plebiscito de 1993.  

    No topo deste meu ensaio, eu reproduzi a seguinte frase: “Já lhe ocorreu que um país pode não dar certo?”. Esta foi a pergunta feita, na época, ao economista André Lara Resende pelo seu colega argentino Roberto Frankel. Já naquele tempo, Frankel estava preocupado com a fixação argentina na figura de Perón, sob cujas asas se agrupam peronistas que vão da extrema esquerda à extrema direita. Tamanha elasticidade ideológica deixa patente a doença argentina de bater de frente com a lógica, inclusive na boa gestão da economia, que nos foi legada por Adam Smith. “Está tudo lá”, dizia Delfim Netto. 

    A pergunta dirigida a Lara Resende, que certamente buscava alguma saída para a Terra Brasilis, reflete o pessimismo de Frankel em relação ao seu próprio país, que não mudou muito. As últimas notícias da Argentina nos revelam um país em que cerca de 50% da população está abaixo da linha de pobreza. Algo impensável em meados do século passado em que a Argentina era o país mais desenvolvido da América Latina. De lá para cá, não deu certo.

    O Brasil, sem dúvida, seguiu uma lógica diferente ao saber fazer a coisa certa no desenvolvimento de seu agronegócio (EMBRAPA, pesquisas e financiamento). Temos hoje capacidade de alimentar três Brasis. Mas a indústria foi devastada pela desindustrialização. E, no plano político, nos desorganizamos a ponto de nos tornarmos um povo a serviço de uma burocracia. Pior: ter um STF que vem caminhando em direção ao que Ruy Barbosa chamou de ditadura do judiciário contra a qual não haveria a quem recorrer. Exceto, obviamente, por uma reação da população para colocar os atores políticos em seu devido lugar. Ou seja, ter um governo do povo, pelo povo e, sobretudo, para o povo.   

    Adaptando ligeiramente o que escrevi naquele ensaio, cabe reproduzi-lo assim: “O que ocorre na Venezuela (no original, eu escrevi União Soviética), ilustra, independentemente do adjetivo do dia, a sina das ditaduras: quando “dão certo” a curto prazo, não o dão em médio, mas se derem, certamente não funcionarão a longo prazo. A República brasileira foi um produto da cultura amadora da conspiração, vale dizer, da visão ditatorial positivista misturada aos traços autoritários, até certo ponto, de nossa formação histórica. Jogou para o alto uma tradição liberal e de negociação, que marcou o Império, para cair nos braços do arbítrio”.

    E eu continuava assim: “O peso da participação militar, que praticamente prescindiu da elite política e – pior – do próprio povo, reforçou em muito o caráter autoritário do movimento. No Império, havia imprensa livre e eleições frequentes, em média, uma a cada dois anos, ainda que a lisura deixasse a desejar, mas era compensada pela indispensável alternância no poder via poder moderador. A República, até 1930, se esmerou nas eleições a bico de pena. Atas escrita na véspera das eleições, dispensando a apuração dos votos, tornaram possível o sistema de “contagem” de votos mais rápido de que se tem notícia na História: os vencedores já eram conhecidos na véspera!”     Essa autocitação tem um razoável poder explanatório do infortúnio que atingiu a Venezuela. O fato novo, digamos assim, é que a democracia foi usada por Hugo Chaves para abrir caminho para uma ditadura instalada aos poucos. A recepção com pompa e circunstância dada a Maduro revela o fascínio do Lula por esses fracassos retumbantes.

    Mas Lula se esqueceu de combinar com os russos. E foi assim que a Cúpula Sul-Americana de Lula desandou.  A recepção dada a Maduro, na véspera, foi vexatória ao afirmar, para nós e para o mundo, que a falta de democracia na Venezuela era apenas uma narrativa. E, certamente, deve ter desagradado aos 10 presidentes sul-americanos convidados ao verem o felpudo tapete vermelho estendido para que um ditador pisasse nele como pisa no seu próprio povo.

    O tom discordante partiu de quatro presidentes. Luis Lacalle Pou, presidente do Uruguai, foi incisivo: “O pior que podemos fazer é tapar o sol com um dedo”. Abdo Benitez, do Paraguai, relembrou dos relatórios internacionais que condenam Maduro por flagrante desrespeito aos direitos humanos. Guillermo Lasso, do Equador, foi sucinto, mas direto no fígado ao dizer que “não existe democracia onde existem presos políticos”.

    O ponto alto das críticas foi dado por Gabriel Boric, do Chile, por ser de esquerda. Em suas palavras: “Nos alegra que a Venezuela retorne às instâncias multilaterais, mas isso não significa fazer vista grossa. Há uma discrepância entre a realidade e as declarações (estapafúrdias, digo eu) do presidente Lula”. Deu um firme puxão de orelha em Lula, para satisfação de nossa população que se recusa a ser idiotizada.  

       Para finalizar, vamos ao melhor diagnóstico já feito da situação da Venezuela.

    É de uma venezuelana bem informada, que colocou os pingos nos “i’s”. A crise humanitária da Venezuela não foi um desastre natural.  Ela resultou de um processo político maquiavelicamente tramado por Hugo Chaves. Não começou com Maduro.

         Segundo ela, Chaves manipulou as Forças Armadas. Deixaram de ser fiéis à constituição, e passaram a ser fiéis a ele, ao dinheiro, ao interesse pessoal. Para ser general, você vai depender de mim e não de seu preparo militar. Em seguida, a constituição democrática foi mudada para seu uso pessoal, como reeleições sem limite. Por fim, avançou sobre as empresas, estatizando-as. A cereja podre do bolo foi contratar militares cubanos e iranianos especializados em repressão política para oprimir seu próprio povo, mantidos por Maduro. 

    Só Lula não viu…

    Assista: Dois Minutos com Gastão Reis – Ilusões Petrolíferas:

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