• Política, família, Edward de Bono e o Futuro

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  • 16/10/2022 08:00
    Por Gastão Reis

    Pouco depois de chegar nos EUA, em meados de 1977, tive a oportunidade de visitar a OEA, onde conheci um brasileiro, que trabalhava na área de estatística há quase 30 anos. Ele me relatou a primeira reunião técnica de que participou. Nela, estavam presentes dois americanos, que tinham posições opostas sobre determinado método estatístico. A discordância entre os dois foi muito agressiva, de parte a parte, na defesa de seus respectivos argumentos. Após a reunião, saíram todos para almoçar. E os dois se trataram com visível cordialidade. O comentário feito pelo brasileiro foi de que uma discussão como aquela no Brasil, no final dos anos de 1940, renderia uma inimizade figadal por anos. Dá bem a medida do nosso atraso (republicano) naqueles tempos.

    Pergunta: será que avançamos muito nessa área do debate civilizado desde então?  Dadas as circunstâncias atuais, parece que não muito. Eu me explico.

    Recentemente, fui convidado para um aniversário em família, em que ficou tacitamente combinado que não iríamos conversar sobre política em função da animosidade existente entre quem iria votar em Bolsonaro ou em Lula no segundo turno. As posições de cada lado estavam com doses elevadas de emoção, sem muito espaço para uma abordagem em que a razão tivesse seu justo e necessário espaço. Não queríamos estragar o espírito de congraçamento da festa.

    Que tipo de lições podemos tirar dessa situação desconfortável, e politicamente inibidora, da troca de informações factuais que poderiam nos ajudar a tomar uma decisão de melhor qualidade, e até mesmo mudar o voto?   

    A primeira observação é sobre a polarização em que as partes tomam ares de donas da verdade. Essa situação me fez lembrar dos seis chapéus pensantes do Edward De Bono, que intermediou as conversações de paz entre líderes brancos e negros no governo de transição na África do Sul. Sua técnica é a dos seis chapéus pensantes atribuídos aos participantes para evitar a confusão mental ao pensar. O branco é o da objetividade e neutralidade, com fatos e números. O vermelho dá vazão ao lado emotivo a todo vapor. O preto faz o papel do advogado do diabo, o que pode dar errado. O amarelo é o lado ensolarado e positivo. O verde aponta em direção à criatividade e novas ideias. Por fim, o chapéu azul é aquele que organiza a bagunça para chegar a bom termo.

    Já que não temos a presença iluminada do Edward De Bono, podemos tentar aplicar sua técnica em reação ao segundo turno para ver no que pode dar. O melhor formato parece ser colocar na cabeça das partes esses chapéus para ver Bolsonaro e Lula sob uma ótica mais abrangente, evitando a unidimensionalidade. Analisemos os cinco primeiros chapéus em relação a cada um; e depois, o azul para chegar a uma conclusão.

    Tomemos o Lula. O chapéu branco constataria que Lula conseguiu ser candidato a presidente com base numa polêmica e questionável canetada do sr. Fachin e, mais grave, sua defesa reiterada do controle social da mídia. Não foi inocentado nem mesmo por Fachin, que alegou foro inadequado. O vermelho vociferaria o fato de Moro ter sido parcial. O negro apontaria o dedo para a corrupção ou conivência com ela denunciada por um colegiado de juízes, que o condenou por unanimidade. O amarelo nos diria que, afinal, ele mereceria um novo julgamento por questão de justiça, ressaltando a questão em aberto do transitado em julgado. O verde apostaria na criatividade e novas ideias com base numa decisão de uma instância da ONU, acionada pelos advogados de Lula, que teria feito a ressalva de Lula não ter tido um julgamento justo.

    Vejamos agora a situação de Bolsonaro. O branco ressaltaria os erros cometidos na condução da pandemia, entre eles a adoção da cloroquina como solução milagrosa. O vermelho acentuaria o destempero verbal que o leva a falar antes de pensar duas vezes. O preto relembraria seu lado intervencionista e antidemocrático, e ainda a defesa do golpe de 1964. O amarelo veria nele os valores conservadores como família, pátria e respeito no uso do dinheiro público. O verde enfatizaria sua disposição de colocar a economia nos eixos, privatizações, abertura comercial e horizonte de longo prazo em linha com a visão pró-mercado de Paulo Guedes.

    Que tipo de conclusão podemos tirar sobre Lula e Bolsonaro deste exercício com os seis chapéus pensantes, proposto por De Bono?

    Quanto a Lula, viria à tona o simples fato de ele poder ser candidato sem ter uma sentença transitada em julgado a despeito de todo tempo concedido ao STF para que se manifestasse em plenário, e não numa de suas turmas, por 3 a 2, numa “sentença” capenga questionada pelo ex-ministro, Marco Aurélio. A insistência de Lula na defesa do controle social da mídia, proposta de cunho autoritário e até totalitário, a médio e longo prazos, é um risco fatal às práticas democráticas. E ainda apoios questionáveis de políticos que o denunciaram no passado por corrupção, populismo e malversação de dinheiro público e sua conivência com as roubalheiras do PT.

    Bolsonaro não teve, de fato, um bom desempenho nas áreas de saúde e educação em função da frequente troca de ministros nessas áreas. O combate à pandemia teria se beneficiado em muito se ele tivesse falado bem menos. Quanto ao lado autoritário e ameaças à democracia, martelada pela grande mídia, que não ocorreu até agora e não parece que vá ocorrer no futuro, tem a garantia da recusa das forças armadas em participar de novas aventuras golpistas, ou seja, de respeito à democracia.

    Em suma, a constante defesa dos riscos que corre a democracia feita pela grande mídia e grupos políticos e de interesses regionais e da alta burocracia causa estranheza diante do silêncio tumular quanto à questão do controle social da mídia, repetida por Lula, que é muito mais séria. Feito o exercício proposto por De Bono, cabe a mim e a você, caro(a) leitor(a), decidir. Quanto ao futuro, é mais que preocupante que nós, como sociedade, permitamos que a corrupção e o populismo voltem a assumir o centro do palco.

    (*)Nota: Link para uma entrevista minha e do Marcos Carneiro, no programa  “Fatos em Debate”, na TV Pop,  canal 14, em 11/10/2022, terça-feira, sobre pesquisas, alianças políticas e voto ideológico:

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