• Petropolitano é considerado um dos cinco melhores do mundo no mountain bike

  • 08/01/2018 12:00

    Nunca antes na história desse país o Brasil teve um piloto de mountain bike tão lá no alto como agora. De acordo com o ranking da União Ciclística Internacional (UCI), o petropolitano Henrique Avancini ocupa a quinta colocação na categoria Elite, uma posição inédita para o país e, ao mesmo tempo, desafiador para aquele que foi o representante brasileiro nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro.

    Então, ninguém melhor do que ele para falar sobre si. E, sem fugir da raia, Avancini descreveu seus principais momentos na temporada passada, à qual consolidou o ciclista de Petrópolis entre os melhores do planeta. A respeito dele próprio, vale conferir como se destacou em 2017, além é claro de sua avaliação a respeito do seu desempenho em algumas das maiores provas da modalidade:  

    “Já são 20 anos competindo de bike. Obviamente em níveis diferentes, com responsabilidades, obrigações e objetivos que variam. Me tornei atleta “profissional” em 2008 e fui o primeiro brasileiro no XCO com um contrato profissional de fato no MTB em 2009. Desde então, cada temporada tem tido seus desafios e objetivos.

    Transição 2016 para 2017

    O ano de 2017 foi atípico para mim. A temporada de 2016 foi marcada pela dor. Durante boa parte do ano sentia uma dor insuportável. Por várias noites, não conseguia sequer dormir bem. É uma situação bastante estressante para um atleta sentir esse tipo de desconforto. Além do incomodo por si só, é uma limitação para o seu trabalho e no meu caso para minha paixão. 

    A sequência de lesões que culminou nos Jogos Olímpicos me fez refletir sobre muita coisa na minha carreira e na minha vida. Ao final do ano, renegociei meu contrato com a Cannondale Factory Racing com algumas condições pessoais. 

    Queria enxergar a temporada em três partes, com três objetivos bem diferentes. 

    Minha atenção estaria voltada à três competições.  Cape Epic em março, Campeonato Mundial de XCM em junho e o Campeonato Mundial de XCO em setembro. Formatos diferentes com intervalos que possibilitariam fazer uma preparação específica mínima.

    Comecei minha preparação no final de 2016, após dois meses sem pedalar devido à lesão sofrida nos Jogos Olímpicos.  Nunca na minha vida, desde os oito anos de idade, me afastei do pedal por esse tempo. 

    O retorno aos treinos foi trágico.  Me senti um amador. Passei a ir pedalar em lugares onde não treinava normalmente, pois era frustrante fazer as mesmas subidas com uma velocidade que parecia ser ridícula.

    Chegou um momento que essa sensação ruim começou a trazer algo bom e que para mim era inédito. A vida do atleta de alto rendimento é uma eterna dedicação extrema para talvez (somente talvez) conseguir uma melhora, que geralmente é mínima. Nessa fase dos meus treinos, qualquer treino que eu fizesse trazia evolução e ganho de forma.  Essa é uma sensação que motiva muito quem começa a pedalar, mas que para o atleta profissional vai desaparecendo com o tempo.

    Training Camp

    Em janeiro, fiz algo que nunca havia feito.  Tenho os locais e condições perfeitas para treinar em minha cidade nessa época do ano.  Mesmo assim viajei para a África do Sul para um training camp com a equipe.  Na teoria seria um desgaste desnecessário, porém pra mim foi uma alteração muito eficaz. Pude me desligar um pouco dos meus afazeres extra bike, que hoje são muitos, e só treinei com meus parceiros de equipe.

    Hora de começar a competir

    Iniciei meu calendário competindo no Brasil em fevereiro. Primeiro fiz a Taça Brasil de XCO em Campo Largo (PR).  Terminei da segunda colocação, depois de ter um problema mecânico e sair da liderança, perdendo muitas colocações e posteriormente recuperando.

    Na sequência fiz a CIMTB de Araxá (MG). Grande público, bons atletas estrangeiros e três dias de prova. Um ótimo cenário para uma boa corrida. Após perder os dois primeiros dias de corrida, me recuperei vencendo o último dia e pela quarta vez consecutiva garanti a vitória geral em Araxá. Foi o último teste antes de um grande objetivo: A emblemática Cape Epic.

    Cape Epic

    Competir a Cape Epic é uma das experiências mais marcantes para um biker profissional.  A edição de 2017 foi considerada a de mais alto nível.  Larguei ao lado do alemão Manuel Fumic. No primeiro dia a grande surpresa: Vencemos o prólogo com uma diferença significativa. 

    Após os especialistas em provas de Endurance declararem que a corrida só começaria de verdade no dia seguinte, fomos lá e vencemos mais uma vez. Pra mim foi até então o ápice da minha carreira. Estava liderando a mais emblemática competição de MTB do Mundo, ao lado de um dos bikers que mais admiro. Surreal!

     Nos dias seguintes tivemos muito pequenos problemas. Desde quedas, acidentes com moto de mídia, problemas mecânicos, mas seguramos a liderança até o sexto dia. Nos últimos dias tivemos três furos de pneus e eu sofri muito com um sério problema estomacal. 

    A opção era ser medicado pelo controle médico da corrida, o que me tiraria da prova ou seguir do jeito que desse… Terminei e ainda seguramos as pontas para fechar no top cinco geral. Uma baita jornada!

    Logo após o Cape Epic, retornei ao Brasil de onde seguiria para competir em uma semana no Campeonato Panamericano, com sete horas de fuso e uma diferença de 2.500 metros de altitude em relação ao Cape Epic. Longe das condições ideais, coloquei uma bela performance na pista.  Na metade da corrida sofri uma queda e levantei sentindo muita dor na mão esquerda. Terminei a corrida bem, garantindo a medalha de prata. Um belo resultado. 

    Retornei ao Brasil e fui direto no hospital. Meu dedo anelar esquerdo estava fraturado. Uma lição que aprendi do passado. Quando tiver uma lesão mude seus planos e recupere. Foi o que fiz! Declarei férias e pude fazer uma festa de aniversário com meus amigos próximos, algo que não fazia há mais de 10 anos. 

    Após essa folga, retomei os treinamentos e já fui competir novamente. O desafio da Maratona Internacional da Estrada Real era uma nova competição UCI e queria ver como era.  Venci a corrida e fiquei feliz com mais um grande evento no cenário nacional.

    Preparação para o Campeonato Mundial de Maratona

    Após essa corrida, tive um longo período de preparação voltado para o Campeonato Mundial de XCM na Alemanha. Foi uma novidade pra mim e em alguns momentos foi difícil ficar longe das competições. Ao final dessa longa preparação fiz 2 corridas de XCO como estímulo de intensidade. Ainda com a percepção lenta, venci a CIMTB em São João del Rei.

    Na sequência viajei para Europa e competi em Lostorf na Suiça. Terminei na 3ª colocação, após perder o sprint final. Com uma percepção boa, me senti mais afiado para o Mundial. A forma parecia estar indo em boa direção. O Mundial de XCM tinha um perfil bom pra mim. Seriam 98 quilômetros com um percurso muito veloz, em duas voltas de 49km. A corrida em si, não saiu como esperado. Na primeira volta consegui andar sempre entre os ponteiros e me sentia de certo modo, confortável com o ritmo. Na segunda volta me perdi na corrida. Meu corpo entrou em desequilíbrio e chegou um momento que fiquei vazio. Me arrastei para terminar a prova. Uma grande decepção pela energia que havia colocado na preparação.

    Na semana seguinte, competi a minha primeira Copa do Mundo de XCO do ano. Já fazia um ano desde minha última World Cup. Cada prova é uma chance. Uma semana após uma grande decepção pessoal, arregacei as mangas e cravei o primeiro top 10 de um brasileiro na história das World Cup.

    Na outra semana mais um round da World Cup, dessa vez na Suiça. A percepção era ainda melhor. Uma hora antes da largada caiu um temporal. A pista mudou completamente e tive um pouco de dificuldade em me encontrar nas condições. Mesmo assim tirei uma boa performance e terminei na 22ª colocação.

    Mais uma vez fiz as malas e retornei ao Brasil para o Campeonato Nacional. 

    É uma corrida que sempre largo com a ambição de vencer pois a camisa de campeão nacional significa muito para mim. 

    Mas tem dias que o corpo não está com a mesma vontade que a mente. Acabei fazendo uma corrida morna e terminei na 2ª colocação.

    Em seguida, decidi com a equipe que eu faria as duas últimas etapas da Copa do Mundo que inicialmente não estavam no meu calendário. 

    Viajei para o Canadá, onde fiz uma boa World Cup. Perdi muitas colocações nas duas últimas voltas, cruzando em 24º. Mesmo assim foi um resultado decente e andei de forma consistente mais a frente durante grande parte da corrida. 

    Em seguida encaixei uma sequência de treinos desafiadora. 

    Com um dia de descanso viajei para a terceira etapa da CIMTB em Congonhas. 

    Venci o desafio da ladeira na sexta-feira e a maratona no Sábado. 

    Mesmo com a carga de treinos o desempenho foi muito bom. 

    O corpo estava pronto para as duas próximas competições.

    A última etapa da Copa do Mundo, foi em Val di Sole, Itália. 

    Andei e me senti muito bem. 

    Cheguei a entrar no top cinco, quando tive um problema mecânico e cai para a 25ª colocação. 

    Me recuperei bem para fechar no top 15. Um bom resultado com um gosto de que poderia ser muito melhor.

    A corrida mais importante do ano

    Depois viajei para a Austrália, para o meu último grande objetivo da temporada, o Campeonato Mundial de XCO.

     Vivemos buscando o dia perfeito, mas, na verdade, precisamos construir o momento. 

    O Mundial foi só o resultado do bom trabalho que eu vinha fazendo há algum tempo. 

    No fim do dia, terminar na quarto colocação foi surreal. 

    Demorei muito tempo para entender a dimensão do que eu havia feito. 

    De quantos passos eu tinha dado pelo MTB no Brasil em tão pouco tempo.

    Uma lição que tirei ao longo dos anos é que depois de grandes feitos, você precisa de tempo para esvaziar a cabeça, acalmar o corpo e voltar a ter vontade de novas conquistas. 

    Sendo assim cancelei algumas corridas e tirei alguns dias para ir a eventos, falar com a mídia e ficar com amigos.

    No fim do ano competi mais três provas no Brasil.

     Duas Taças Brasil, contando mais duas vitórias válidas pelo calendário da UCI.

     Por fim a cereja do bolo: Brasil Ride! 

    Competi ao lado do tcheco Jiri Novak, que se aposentaria na prova.

     Uma disputa que mais pareceu roteiro de novela mexicana culminando com a vitória geral. 

    Um ano marcante que fechando a conta me colocou no top cinco do ranking Mundial. 

    Acredite ou não, um brasileiro chegou lá”. 

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