• Petrópolis continua sob a lama e o luto do dia 15 de fevereiro

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  • Dois meses depois da tragédia, cenário ainda é de destruição pela cidade 

    15/04/2022 05:00
    Por João Vitor Brum, especial para a Tribuna

    O maior desastre natural da história de Petrópolis completa dois meses nesta sexta-feira, e, mesmo com todo o tempo que já passou, não é preciso andar muito pela cidade para perceber que o cenário ainda é de destruição. Na região do Alto da Serra, mais afetada pela chuva, moradores relatam que a maior parte do trabalho de limpeza foi feito pelas comunidades, e não pelo poder público. 

    No dia em que a tragédia completa dois meses, a Tribuna visitou parte dos locais atingidos para ver o que foi solucionado e o que ainda precisa ser feito para que a população possa viver com o mínimo de dignidade. 

    Além da recuperação das vias, que segue em passo lento, a população continua relatando dificuldades em conseguir o Aluguel Social. Enquanto alguns não conseguem o benefício, outros estão enfrentando problemas para encontrar imóveis. 

    “Parece que eu fiquei preso em 15 de fevereiro, parece que esse dia nunca acabou”

    No Morro da Oficina, local mais afetado pela chuva, onde cerca de 100 pessoas morreram, a principal reclamação dos moradores é que praticamente todo o trabalho de limpeza que foi realizado até então foi feito pela própria comunidade. Andando pelos escombros que permanecem no local, é possível ver a história de famílias pelo caminho. Álbuns de fotos, documentos, móveis, brinquedos, histórias que precisaram ser reiniciadas do zero e outras que não poderão ser recuperadas. Para os moradores, a sensação é de ainda estar no traumático dia 15 de fevereiro. 

    Vinícius Morais, que é policial militar e mora no Morro da Oficina, tem ajudado nos trabalhos desde o dia da tragédia. Ele conta que os órgãos públicos até estiveram no local, mas que o que surtiu efeito mesmo foi a união dos moradores. 

    Vinicius Morais é um dos moradores que tem trabalhado na limpeza da comunidades desde o dia 15 de fevereiro. (Foto: Alexandre Carius)

    “Estiveram aqui, fizeram o desmonte das rochas, iniciaram a limpeza de algumas casas, mas o serviço não dá vazão. Com os voluntários surte muito mais efeito, o pessoal é daqui, quer resolver, ajudar. Usamos ferramentas manuais, da forma que conseguimos, e desse jeito, conseguimos criar pelo menos duas contenções improvisadas para impedir que a água continue descendo para dentro das casas. Mesmo assim, precisamos de obras. Precisamos de contenção, de uma visita de um engenheiro que diga o que pode ser feito com segurança. O trabalho lento desse jeito não está adiantando”, explicou Vinícius Morais, contando, ainda, que os saques nas casas vazias continuam. 

    “Como sou policial, muitas pessoas me procuram pedindo ajuda, dizendo que as casas estão sendo saqueadas. Todo dia tem um novo relato. Tem locais em que já entraram várias vezes. É mais uma dificuldade grande que estamos passando”, desabafou. 

    No dia da chuva, o José Marcos ficou preso dentro de casa. A escada, que ficava em frente, foi tomada por água, lama e escombros que desceram com o deslizamento. Mesmo com imóvel interditado, ele ainda está aqui, e cobra providências. 

    José Marcos deixa uma mochila arrumada para o caso de ter que sair de casa em uma nova emergência. (Foto: Alexandre Carius)

    “Eu gostaria que nossos governantes nos dessem apoio, que fizessem alguma coisa. O que mudou nesses dois meses foi feito pelos moradores, sozinhos, sem apoio. Toda chuva é o mesmo desespero. Já deixei uma mochila arrumada ao lado da cama, com documentos, telefone de emergência, o essencial”, disse José Marcos de Oliveira. 

    “Parece que eu fiquei preso em 15 de fevereiro, parece que esse dia nunca acabou. Os problemas são os mesmos, a sensação é a mesma”, concluiu Vinícius Morais. 

    No Morro da Oficina, o único local que ainda não pode passar pelo serviço de limpeza é a servidão Frei Leão, onde buscas ainda estão sendo realizadas para encontrar uma pessoa que ainda é considerada desaparecida. 

    “Tudo de importância está junto, pra pegar e levar embora no caso de uma nova emergência”

    Ainda no Morro da Oficina, muitas famílias relatam problemas com o benefício do Aluguel Social. É o caso da dona Adair, idosa, diabética e cega de um olho, ela morava com os sete netos no Morro da Oficina. No dia da chuva, a casa da família foi atingida pelo deslizamento e ficou completamente tomada por lama. A cozinha, inclusive, ficou totalmente destruída.  

    Ela e os netos fugiram correndo para o outro lado da comunidade e ficaram abrigadas na casa de uma vizinha até conseguirem ir até um ponto de apoio. Nas semanas seguintes, a família ficou em pelo menos dois abrigos, mas voltou ao Morro da Oficina há cerca de dez dias pois não conseguiu encontrar imóveis para alugar pelo Aluguel Social. 

    Adair voltou para área de risco por não conseguir moradia pelo Aluguel Social. (Foto: Alexandre Carius)

    “Não posso dizer que fui mal atendida nos abrigos, não faltou nada lá, mas é muito difícil ficar em um lugar desse. Dividindo chuveiro, ficando em uma sala com várias pessoas. Para as crianças, principalmente, foi muito difícil. E arrumar casa no Aluguel Social que tenha espaço para minha família tem sido quase impossível. Chegaram a oferecer um lugar, no Quitandinha, mas também era em área de risco”, disse Adair Vogel. 

    Hoje, ela e os sete netos, com idades entre 10 e 18 anos, vivem na casa da filha da dona Adair, que fica ao lado do local onde ela morava e agora não pode mais ser habitado. A filha dela, com o marido, se mudou para um imóvel com o Aluguel Social, já que são apenas duas pessoas. A casa onde a família está também está interditada, mas não foi afetada diretamente pela chuva. Assim como outros moradores, uma bolsa de emergência fica sempre pronta. 

    Adair mora com os sete netos em área de risco próximo ao local do desabamento. (Foto: Alexandre Carius)

    “Tudo de importância está junto, pra pegar e levar embora no caso de uma nova emergência. O resto das coisas aqui na casa foram doações mesmo, porque perdi tudo que eu tinha. Foram 25 anos morando aqui, construindo tudo, com muito sacrifício, e agora tudo foi embora. Em dois meses não fizeram nada por mim”, contou Adair. 

    Assim como outros moradores, a dona Adair também acredita que as obras estão avançando muito devagar. “Largam tudo assim, fazem devagar mesmo. Às 14h, todo mundo sai do trabalho e vai embora”, disse. 

    “Já passei por muitas enchentes, mas nunca teve uma derrota como essa”

    A dona Lucy mora no Vila Felipe há mais de 60 anos. Ela vive na mesma casa desde os 22 anos, quando se casou. Hoje, aos 83, está precisando andar 20 minutos a mais, parte no meio do mato, para conseguir chegar em casa, por uma servidão que ainda está coberta por escombros. No local, pelo menos seis pessoas morreram em deslizamentos. São dois meses vivendo assim, desde a chuva do dia 15 de fevereiro. 

    “Perdi vizinhos, pessoas conhecidas, nem acredito em tudo o que aconteceu vendo isso agora”, disse D. Lucy (Foto: Alexandre Carius)

    “A passagem para a minha casa está completamente bloqueada e ninguém fez nada para liberar até hoje. Não tenho escolha, preciso passar pelos escombros para chegar em casa. Não tenho para onde ir, não tem o que fazer. Já passei por muitas enchentes, mas nunca teve uma derrota como essa. Perdi vizinhos, pessoas conhecidas, nem acredito em tudo o que aconteceu vendo isso agora. Toda vez que chove, fico preocupada, até porque ainda tem muita coisa pendurada, muita casa que pode cair”, disse Lucy da Silva Theobald. 

    Quadra no Chácara Flora volta a ser usada como transbordo de entulho

    Já no Chácara Flora e no Sargento Boening, ainda é possível ver ruas com crateras e casas na beira de encostas, com risco de desabamento. Na quadra da comunidade, que fica ao lado do CEI Deise Eloi Gomes, ainda uma nova montanha de lama se formou. Em março, a Tribuna denunciou, pelo menos duas vezes, que lama e entulho estariam sendo despejados na quadra, que em dias de chuva escorria para a casa de moradores vizinhos aos espaço. Nesta quinta-feira, mais lama estava acumulada no local.

    A quadra da comunidade continua sendo usada como transbordo provisório. (Foto: Alexandre Carius)

    Na primeira denúncia, a Prefeitura garantiu que “a operação na quadra é segura” e que o espaço seria liberado “o mais breve possível”. Depois da chuva de 20 de março, a Comdep foi questionada novamente, mas negou que a lama tenha invadido a casa dos moradores por causa do transbordo improvisado. Em nova visita feita pela Tribuna, nesta quinta-feira, a reportagem verificou que a lama continua despejada na quadra.

    O que diz a Prefeitura:

    A Prefeitura informou que todos os locais citados na reportagem receberam apoio da Comdep para limpeza e desobstrução de vias. O trabalho continua sendo realizado em toda cidade. Desde fevereiro já foram mais de 205 mil toneladas de detritos retirados das vias e de imóveis. Também já foram desmontadas mais de 1.800 toneladas de rochas em vários pontos da cidade.

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