• Petrópolis: Desastre natural ou político?

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  • 26/02/2022 12:05
    Por Gastão Reis

    A máxima “História, mestra da vida” é bem conhecida, mas não é levada a sério na Terra Brasilis. Situações semelhantes às ocorridas em 15/02/2022, em Petrópolis, são comuns em outras partes do país. Claro que não é possível neutralizar completamente as perdas de vidas e materiais. Mas é perfeitamente possível minimizar seus efeitos, em especial no que tange à preservação da vida dos habitantes de Petrópolis e de outras cidades.

    A presença de espírito do Prof. Frederico Haack, meu vizinho de coluna no Diário de Petrópolis, veio na hora certa ao transcrever a reportagem sobre a inundação de 1895, publicada no jornal “Gazeta de Petrópolis” daquela época, em 5 de janeiro. A listagem dos estragos e prejuízos impressiona, em especial pela quantidade de pontes levadas pela enxurrada e diversas lojas inundadas. Mas é também notável o fato de uma única vida ter sido perdida, a de João de Souza Brasil, e assim mesmo porque ele se arriscou a pegar um mastro caído no rio e foi levado pela correnteza.

    Sem dúvida que a população da cidade era bem menor, mas, como cidade bem planejada que foi, não havia ainda a ocupação desordenada de hoje. Merece registro o fato de Petrópolis não ter tido por muitos anos perdas significativas de vidas humanas. Até início da década de 1960, as mortes eram poucas, o desmatamento mínimo, e o intenso processo migratório para a cidade só começou por volta de 1970. E foi acompanhado pelo desrespeito à legislação de ocupação do solo, processo que se tornou cada vez mais caótico, tendo hoje comunidades nos morros onde as vias de acesso só dão passagem para um carro, com raras baias aqui e ali.E sem infraestrutura de saneamento.

    Quando houve a cabeça d’água que desabou sobre o Cuiabá, em 2011, com perdas de inúmeras vidas, eu tive a oportunidade de visitar o local poucos dias depois. Na estrada que conduz ao Cuiabá, que acompanha o rio por um longo trecho, notei um fato que escapou à mídia na época. As moradias e construções à direita da estrada de quem sobe sofreram bem menos do que as localizadas à esquerda, entre o rio e a estrada. Essa situação nos dava um recado muito claro sobre ocupação do solo. Nos morros de Petrópolis, a ocupação anárquica evidencia a tragédia programada que persegue a cidade.

    Desta vez, entretanto, a curto prazo, até mesmo pela gravidade da situação, houve uma reação rápida dos governos para reparar danos imediatos às atividades econômicas, processo acompanhado por intensa participação da sociedade civil, doando roupas, comida e remédios, e da comunidade cristã abrindo seus espaços para receber os desabrigados, bem como os das escolas públicas do município.

    Estive no evento promovido pela CDL, em 22/02/2022, que já vinha fazendo o cadastramento dos empresários atingidos na sobreloja de sua sede na Rua Irmãos D’Angelo, 48. O público-alvo eram os empresários do comércio e da indústria, visando à recuperação das empresas, e à manutenção de empregos e salários. Estavam presentes os secretários estaduais de Desenvolvimento Econômico, Vinicius Farah, e o da Fazenda, Nelson Rocha.

    Minha agradável surpresa, devido à agilidade, foi tomar conhecimento de que quase todos os pleitos da CDL já haviam sido atendidos antes daquela reunião. Eles se referiam a prorrogação de impostos estaduais, de obrigações acessórias, estorno da substituição tributária sobre mercadorias perdidas, créditos acumulados para quitar impostos e isenção do imposto de transmissão (causa mortis) no caso de morte de parentes na tragédia.

    O secretário Vinicius Farah esclareceu que a rapidez das providências se deveu à decretação de calamidade pública no município, validada pelo estado e pelo governo federal, e ainda à retirada de 70% das exigências burocráticas na concessão de empréstimos de até 500 mil reais aos empresários, com carência de 12 meses e juro zero, oriundos de 200 milhões disponibilizados pelo estado.

    A Firjan, por sua vez, no dia anterior, apresentou os resultados de uma pesquisa realizada junto a 268 empresários entre os dias 16 e 18 deste mês, onde 65% deles se disseram atingidos diretamente e 85% ainda sem voltar a funcionar. Publicou também uma pesquisa que revelou que o PIB de Petrópolis encolheu cerca em 2%(!), ou seja, prejuízo de 665 milhões de reais. Número que fornece uma indicação de que serão necessários mais de 200 milhões para a plena recuperação das empresas e da própria cidade. A Firjan instalou ainda um Centro de Atendimento ao Pequeno Empresário, na Rua Dom Pedro I, 579.

    Minha mulher teve a oportunidade de participar de duas missões empresariais em que visitou a China e a Coreia do Sul. Ela observou que, em ambos estes países, não havia ocupação de encostas, sempre arborizadas. As habitações para as populações eram edifícios construídos na base das encostas. Ao perguntar sobre os efeitos das intempéries, recebeu como resposta que esse tipo de arranjo urbano foi a melhor saída para amenizá-las e evitar mortes. No Brasil, o desleixo em relação ao óbvio é difícil de entender, a despeito de Petrópolis dispor de plano atualizado para lidar com tais situações.

    De toda forma, nossa situação é bem mais de desastre político do que natural. É cansativo ouvir explicações das autoridades de que tais eventos são imprevisíveis, em especial diante de 210 mortes e 33 desaparecidos, até 24/02/2022, em Petrópolis. As perdas materiais, de algum modo, podem ser contornadas, mas as de vidas humanas são permanentes, em especial naqueles casos em que a família perde seu provedor.

    Tarda a hora de sermos mais práticos, e aprender com soluções bem sucedidas como as dos povos chinês e sul-coreano. Além disso, a sociedade civil poderia criar um Conselho Municipal de Monitoramento de Desastres Naturais, cuja função maior seria acompanhar e monitorar os projetos nessas áreas para evitar que sejam interrompidos, feitos pela metade ou sequer iniciados. E ainda cobrar das autoridades exercícios de simulação da população para saber onde se abrigar e receber apoio e doações. Fica aqui a sugestão.

    (*) Vídeo do autor, “Futebol e Política”, sobre falta de cobrança política, no programa “Dois Minutos com Gastão Reis”, que pode ser visto clicando no link: https://www.youtube.com/watch?v=Pb86v1krHfE

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