Petrópolis: a tragédia de 1988 e no quê avançamos após 34 anos
Me permitam fazer um prefácio, onde gostaria de traçar um paralelo, lembrando o que significou para a engenharia e sociedade os dois rompimentos das barragens de rejeitos no estado de Minas Gerais nos anos de 2015 e 2019. Devido ao fenômeno de Liquefação ocorrido nas estruturas de Fundão em Mariana, da mineradora Samarco, ocorreu uma das maiores tragédias ambientais no país, além de 19 mortes. Na Barragem B1 em Brumadinho, da mineradora Vale, também devido a Liquefação, foram registradas 272 mortes das pessoas que estavam logo a jusante daquele maciço. É importante citar que, principalmente com estas ocorrências, foi produzido um portentoso conjunto de ações por parte das mineradoras representadas pelo IBRAM, e do Ministério Público de MG, que contratou a gigante da engenharia Aecon, além de outras do ramo, servindo como autoridades em auditagem para este órgão. Instituições ambientais foram obrigadas a rever suas legislações. Normas foram revisadas, considerando normas internacionais, como a canadense, a australiana e a da União Europeia. A academia universitária, por sua vez, teve um grande esforço afim de elaborar ementas para disponibilização de cursos especializados no segmento de barragens, estabilização de taludes, meio ambiente e áreas afins. A mineradora Vale, dada a queda em sua reputação naquele momento, verificou a necessidade em reformular seus conceitos nas áreas de segurança, meio ambiente e governança. Estes conceitos estão amplamente difundidos pelas empresas e instituições de ponta, que adotam o modelo de transparência e responsabilidade denominado pela sigla ESG (Environment, Social and Governance). Tudo isto no sentido de dar uma resposta para a sociedade, investidores e governo, utilizando as importantes boas práticas da engenharia internacional. O resultado dessas medidas vem sendo observado no avanço da engenharia, na grande medida do crescimento do mercado, do emprego, da renda e de oportunidades.
No Brasil existe um alargado arcabouço legal, que se constitui principalmente por: Lei Federal 6766 de 19 de dezembro de 1979, que dispõe sobre o Parcelamento do Solo Urbano; Lei Federal 6.938 de 31 de agosto de 1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação; Lei Federal 10.257, de 10 de julho de 2001 (Estatuto da Cidade); Lei Federal 12.187 de 29 de dezembro de 2009, que institui a Política Nacional sobre Mudança do Clima – PNMC; Lei Federal 12.305 de 2 de agosto de 2010, que Institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos; Lei Federal 12.608 de 10 de Abril de 2012, que institui a Política Nacional de Proteção Civil – PNDEC e dispõe sobre o Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil – SINPDEC e o Conselho Nacional de Proteção e Defesa Civil – CONPDEC que autoriza a criação do sistema de informações e monitoramento de desastres. Estas leis que alteram outras leis e tornam necessárias outras providências, trouxeram poucos avanços para o nosso município. Não somos capazes de resolver questões como o saneamento básico, reservatórios de abastecimento de água, sistemas de coletas seletivas de lixo, aterros sanitários, condizentes com o porte e a importância de Petrópolis, além das questões de controle do transporte de sedimentos proveniente do avanço da ocupação desordenada e desorientada das encostas. Também ainda não fomos capazes de melhorar um sistema viário comprometido, já que este é baseado no Plano Köeller elaborado no século XIX, cujas principais vias, margeiam os cursos d’água, complacentes na época de estiagem e ferozes no período chuvoso. Neste último aspecto, houve o agravamento de nossa situação, em 1990, com a extinção do Departamento Nacional de Obras e Saneamento, o DNOS, o que nos deixou bastante estagnados, em se tratando de macro drenagens. Porém, é verdadeiro que diversas obras de contenções e estabilizações foram realizadas, principalmente no 1º Distrito, a partir do mapeamento geológico-geotécnico elaborado pelo IPT (Instituto de Pesquisas Tecnologias, SP) dado a ocorrência das chuvas de 5 de fevereiro de 1988 e do Plano de Redução de Riscos. Este plano foi baseado no mapeamento do risco para as áreas susceptíveis aos movimentos de massa, produzido pela empresa Theopratique no ano de 2017, identificando, segundo o estudo 102 áreas inseridas nas condições de risco alto e muito alto.
A grande questão é o que fazer diante desse quadro atual e o futuro que nos aguarda, considerando o novo normal do clima (leia-se chuvas extremas) e as condicionantes geológicas e morfológicas do terreno, aliadas às ocupações de encostas e margens de cursos d’água, por habitações em sua grande maioria vulneráveis e irregulares sob o ponto de vista legal.
Seria o paralelo exemplificado no início do texto uma alternativa viável para nós? A fundação de um instituto hidrogeotécnico petropolitano seria possível, pela iniciativa federal, por intermédio dos campi federais avançados, já instalados em nosso município, assim como das universidades particulares? Seria este instituto capaz de gerar e gerenciar programas, como por exemplo: um plano diretor de micro e macro drenagens? Como já há algum tempo sugerido junto à Câmara de Vereadores, o controle de frota identificada e rastreada, para permitir de forma adequada a movimentação de terra no município ? Para além do mapeamento do risco, o cidadão comum poderia ser esclarecido, dentro das suas comunidades, sobre aquilo que são ameaças e suas consequências, a partir de equipes multidisciplinares, com geólogos, hidrólogos, geotécnicos e engenheiros ambientais, aumentando a percepção dos riscos? Este instituto seria capaz de gerar oportunidades, empregos e renda, contando com a participação da academia universitária? Também seria capaz de atender outros municípios da região? O percentual de royalties oriundos do petróleo poderia ser revisto, para contribuir com esse instituto? As políticas da Petrobrás relativas ao ESG poderiam ser uma forma viável para este projeto?
Em resumo, temos ou não coragem e determinação para honrarmos todas essas almas que pereceram em decorrência dessas catástrofes até aqui no presente?
Alberto Ivan Weinem
Consultor Geotécnico, Especialista em Gestão do Risco Geotécnico, Reforço de Barragens de Terra e Descaracterização de Barragens de Rejeito. Associado ABMS.