Pena de morte
Às portas de completar 50 anos, e talvez por isso, ando refletindo sobre a morte. Morrer não é lá algo muito agradável, não é mesmo? Eu nunca morri, mas acho que não deve ser bom não. Para quem fica eu sei que não é. Morrer pode até doer, dependendo das circunstâncias. Outro dia, peguei-me pensando que tenho que arrumar meu guarda-roupa para o caso de eu morrer.
Minha filha me perguntou por que, e eu respondi que é para não dar trabalho para quem for procurar o que me vestir e, principalmente, para ninguém ficar me maldizendo depois da minha morte, me chamando de desorganizada etc. Não estou a fim de ficar com minha orelha queimando em cima daquela mesa gelada. Ainda mais que estando com o resto do corpo também gelado, a orelha vai queimar mais ainda.
Depois pensei que seria bom que eu tivesse uma roupa nova para estrear na morte e para não correr o risco de que alguém possa me colocar uma roupa que não me caia bem para o momento. Dizem que a primeira impressão é a que fica, mas a última também pode ser bem marcante. Ainda pensando na dita cuja, lembrei-me de uma situação que ocorreu num desses eventos fúnebres de que participei.
Como se não bastasse toda a tristeza em torno da perda do ente querido, chega para os familiares a notícia de que não havia vaga na campa da família para enterrar o morto. Olha aí a morte, além de tristeza, dando trabalho. Como não era um bom momento para se ter orgulho e o morto precisava de um lugar para descansar o corpo, resolveram, depois de algum tumulto e bate-boca, que o corpo iria para uma daquelas gavetas públicas. Problema resolvido? Engana-se quem pensa que sim.
Ocorreu que também não havia vaga nas gavetas. “O quê? Como assim?” Assim mesmo! Congestionamento de finados! Não havia vaga no cemitério para o defunto, que virou um morto sem teto, um morto desabrigado. A Fabrício de Matos não suporta mais a população finada de Petrópolis. Então, veja só, como se não bastasse a gente ter tanto problema na vida para se preocupar, e um deles é com a casa própria, a gente ainda tem que pensar onde vai morrer depois da morte.
Os governantes precisam pensar nessa questão e incluir programas do tipo “Minha Campa, Minha Morte”, porque isso é caso para políticas públicas, afinal o morto precisa morrer em paz e os vivos poderem viver sem essa tormenta. Conheci uma pessoa, bem próxima e querida aliás, que, idosa e pensando já estar no fim da vida, vendeu sua casa para comprar uma campa.
Seu marido, que partiu antes, havia sido enterrado num morro, situação que deu muito trabalho e motivo de alarido entre os vivos que o enterraram. Eu, que participei do ensejo, inclusive, caí ao descer do local onde fora depositado o ataúde. A viúva, sempre muito vaidosa e preocupada, depois de ouvir toda a arenga ocorrida por ocasião do evento, decidiu que não passaria por aquilo nem morta.
Diante de tantas questões, fico cá com meus botões pensando que morrer dá muito trabalho, muita despesa e muita preocupação… E também dá medo! Eu tenho medo de morrer, mas, mais que medo, tenho pena! E, cá entre nós, dá ou não dá uma pena danada de morrer? Viver até dá trabalho, mas a gente sabe que vale a vida, porque viver é muito bom! Já morrer eu ainda não tenho certeza de que vale a morte. E só quem nunca morreu que diz que não tem medo de morrer. Editora, escritora, professora de Literatura e Língua portuguesa..