Pelo cotidiano
“Atualizando”. Essa foi a palavra que me fez companhia na semana que passou. Não perco a oportunidade de assimilar lições do acaso, principalmente quando aparecem assim como “pedra no meio do caminho”. Os cavacos também servem de lenha…
Por meio da leitura dos textos de Drummond, aprendi que é possível fazer crônicas “de notícias e não notícias”. Fatos pinçados do cotidiano que não chegam às manchetes dos jornais podem levar a reflexões úteis. Nem tudo provém da inspiração. A Literatura também requer transpiração. É preciso afiar os sentidos para ampliar a capacidade perceptiva. Nesse item, o tempo é amola-dor…
O que lhe trago hoje são reflexões provenientes da velocidade das mudanças. Reconheço a importância delas. Porém não consigo aceitar sem questioná-las. Cá rego ainda alguns nãos para usá-los sem perder a ternura. Os meus sins também são cuidados, pois tenho zelo pela palavra. Hoje as mentiras andam em alta velocidade. Apesar das pernas curtas, seguem rastro de pólvora para fazer intrigas. Receberam até nome internacionalizado: “fake news”.
No domingo à noite, depois de separar o material para usar no dia seguinte, resolvi desligar o computador. Mas ele não me obedeceu, até me alertou: se o desligasse abruptamente poderia danificar ou perder alguns arquivos, pois teria que atualizar alguns programas. Para não ficar parado, fiz outras coisas, enquanto as bolinhas rodavam.
Na segunda-feira, saí cedo. Quando cheguei à escola, liguei o notebook, deparei-me com as bolinhas rodando mais lentamente, outra atualização. Enquanto isso, peguei o celular e abri o aplicativo para ver as mensagens, apareceu novamente uma mensagem solicitando atualizações. A verdade é que já havia recebido esses avisos, mas sempre adiava. Chegou, portanto, a um momento em que não poderia mais adiar: atualizar-se é necessário. “E precisamos todos rejuvenescer”, como afirmara Belchior.
A Educação é permanente e continuada. No popular, é o “vivendo e aprendendo”. Não só as máquinas precisam de atualização. Nós também carecemos de atualizações constantes, porém é necessário fazer uso de “antivírus” para evitar as contaminações tóxicas. É preciso ter critérios para efetuar as mudanças em âmbito pessoal e social. Não podemos perder o controle do barco, deixando a vida nos levar. Não podemos ficar à deriva, sem saber a que rumo seguir. Reconheço que o exercício da escolha tem se tornado mais difícil em razão da quantidade de falsos brilhantes…
E aqui, quero lhe contar outro fato que também me levou a pensar nas atualizações que precisamos efetuar diante das mudanças tecnológicas, pois tive que pagar penitência.
O telefone fixo da escola em que trabalho parou de funcionar. Fiquei com a incumbência de entrar em contato com a operadora. Resolvi ligar do telefone da minha casa. Depois de trinta minutos, passando por triagem eletrônica, consegui falar com uma atendente. Mas não foi possível dar prosseguimento, pois teria que fazer alguns procedimentos para certificar se o defeito não era do aparelho ou do cabeamento que há no prédio. Voltei à escola e liguei do meu celular. Tive que passar novamente pela triagem eletrônica. Só que dessa vez, entre os momentos de espera, falei comigo: “se, em 20 minutos, conseguir falar com alguém, vou atender todas as ligações que aparecerem no celular, até aquelas que não sabemos de onde vem, que são disparadas eletronicamente. Depois de 19 minutos e trinta segundos, ouvi uma voz humana: “em que posso ajudar?… ”
Atravessei a semana atendendo a tudo que tocava. Deparei-me com as chamadas inteligências artificiais, programadas para induzir ao consumo. Vozes sem cpf que atuam na promoção de vendas. Foi um teste de paciência e tolerância. Depois da fase da irritabilidade, passei a me divertir. Em uma das ligações, uma voz feminina me perguntou se eu era a Márcia, quando pronunciei o meu nome, ela me respondeu: “não entendi”. Tornou a perguntar, repeti o meu nome, recebi a mesma resposta com uma ressalva: “diga sim… ou não…” Como tenho problema com os verbos no imperativo, principalmente quando não vêm com a expressão mágica do “por favor”, não obedeci. Acho que não gostou. A ligação caiu.
Estou me atualizando. Mas, por enquanto, não sinto necessidade da Alexia. E, ao concluir este texto, enviarei uma mensagem para a inteligência artificial da operadora para dizer que o telefone continua mudo. Se, por um lado, ficamos fascinados pelos avanços tecnológicos, por outro, decepcionamo-nos com a carência da infraestrutura. As inteligências artificiais ainda não superam o discernimento humano.