• Pelas retinas

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  • 12/03/2023 08:00
    Por Ataualpa A. P. Filho

    O tempo come pelas beiradas. Não tem pressa. Segue os próprios passos sem se preocupar com o ciclo dos humanos.  O mesmo não se pode falar da morte, que nos surpreende. Às vezes, surge inesperadamente. Rompe com a lógica, não obedece às nossas expectativas. A morte não está e nunca esteve sob o controle dos homens.  Cedo ou tarde, ela vem. Pode vir no silêncio da noite ou nas fatalidades do trágico. Pode parecer paradoxal, mas existe a boa morte.

    Sei que o assunto que trago hoje não agrada, é incômodo. Mas é parte da nossa realidade. O tempo impõe limitações. E a morte está na ponta da nossa caminhada por este mundo. Ninguém deseja encontrá-la na aurora da vida. 

    Andei pensando nesse assunto, porque no sábado passado (04/03), na parte da manhã, estive reunido com um grupo de educadores; apenas um não se enquadrava no conceito que se criou sobre a “terceira idade”. Todos poderiam ser considerados convencionalmente como idosos, porém estão em plena atividade produtiva com lucidez e com clareza dos problemas educacionais vivenciados em nosso país.

    O envelhecimento fisiológico é inevitável. Mas quando se trata das questões relacionadas às lições de vida, às relações humanas, às produções intelectuais, são evidentes as contribuições frutíferas dessa parcela da população que já atravessou mais de sessenta primaveras. Idosos, sim; inoperantes, não. Conceber a velhice como inócua, improdutiva é um equívoco. 

    Com o avanço da Medicina, com os esclarecimentos sobre os hábitos saudáveis, a expectativa de vida se ampliou. Aqui no Brasil, temos uma média de 74,8 anos. Diante dessa constatação, a partir de dezembro de 2015, a aposentadoria compulsória do servidor público passou de 70 para 75 anos de idade.

    Quando apontamos a saúde e a educação como bandeiras prioritárias na condução administrativa dos estados e municípios, temos, em mente, a qualidade de vida e o aprimoramento das atividades laborais.

    Quando nos deparamos com as denúncias relacionadas às condições análogas à escravidão a que certos operários são submetidos, constata-se que, em pleno século XXI, infelizmente, a exploração da mão de obra ainda é um problema que compromete a expectativa de vida de quem é submetido a tais situações degradantes. A insalubridade no ambiente de trabalho compromete severamente a saúde de qualquer trabalhador. Quem exerce o seu ofício com satisfação, em um ambiente agradável, tende a manter-se em uma longevidade produtiva. Precisamos vencer o estigma que associa o idoso à inoperância. Até a economia necessita do dinheiro de quem goza, com justiça, de uma aposentadoria. Muitas famílias dependem desse dinheiro que os aposentados mantêm e que equilibra o orçamento doméstico. É um equívoco considerar o “moderno” como uma exclusão da convivência com o “velho”. 

    Tenho por hábito visitar orfanatos, abrigos de idosos e sítios para tratamento do alcoolismo e das dependências químicas. E, com o tempo, passei a observar o brilho do olhar das crianças, dos idosos e de pessoas que desejam abandonar os vícios. 

    A relação que se tem com a vida pode ser vista pelo brilho emanado pelas retinas. O semblante espelha o prazer que se tem em viver. Nas crianças, a vitalidade do olhar buscando o lúdico, o que lhes parece inédito, é enigmático! A descoberta do mundo se faz a cada instante. “O que é isto?”  é a pergunta que mais salta espontaneamente. Mas, quando pessoas, já com mais idade, afetadas pela doença de Alzheimer, a mencionada pergunta vem por um vazio, expõe o desejo de encontrar, na memória, algo perdido. O distanciamento da realidade é uma consequência da referida doença. O cuidado, a atenção que devemos ter com essas pessoas não se trata de caridade, mas sim de uma obrigação. A responsabilidade não fica somente no âmbito familiar, mas também é um dever do Estado. O abandono de incapaz é crime.

    Entre as pessoas que buscam se distanciar dos vícios, o olhar externa as dificuldades do recomeço. É como se alguém estivesse parado debaixo da sombra de uma árvore e olhasse para a estrada, tendo a noção do quanto ainda tem que caminhar para chegar ao destino desejado. Por isso que a fé, a perseverança, o apoio dos amigos e familiares são fundamentais na conquista da sobriedade.

    E, como não sou de ferro, no sábado aqui citado, aceitei o convite para ir a um baile para a “melhor da idade”. Eu e Marta fomos e curtimos as músicas que não ficaram esquecidas no tempo. Não vi nenhum excesso. Tudo transcorreu tranquilamente. Está provado que, onde há bom senso, a ternura fica ao alcance de todos.

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