• ‘PEC do Hino’ divide Assembleia gaúcha sobre exclusão de letra sobre escravidão

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  • 07/07/2023 16:01
    Por Luisa Carvalho, especial para o Estadão / Estadão

    A Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul protagoniza um embate acirrado entre parlamentares da autodenominada ‘bancada negra’ e deputados de partidos alinhados à direita.

    O motivo da discórdia é a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 295/2023, a ‘PEC do Hino’. O texto prevê que sejam declarados ‘protegidos e imutáveis em sua integralidade’ os símbolos gaúchos, que incluem o Hino Farroupilha, Bandeira Rio-grandense e as Armas Tradicionais.

    O capítulo mais recente, na terça, 4, foi a votação que acabou adiada por falta de quórum. A proposta, que tramita desde 30 de junho, será retomada pela terceira vez na próxima terça, 11.

    O texto é de autoria do deputado Rodrigo Lorenzoni (PL), filho do ex-ministro da Casa Civil do governo Jair Bolsonaro, Onyx Lorenzoni (PL). A PEC é subscrita por um grupo de 19 parlamentares dos partidos Republicanos, PL, PP, PTB, PSD, Podemos e NOVO.

    O hino gaucho é alvo de críticas de movimentos sociais, que apontam uma ‘exaltação da escravidão’ em sua quarta estrofe. O trecho diz: “Mas não basta, para ser livre/ Ser forte, aguerrido e bravo/ Povo que não tem virtude/ Acaba por ser escravo.”

    O texto de justificativa da PEC alega que o intuito é garantir uma ‘camada de proteção inconstitucional’ para que ‘não se perca a identidade [gaúcha] por mero capricho ideológico distorcido’. Para Lorenzoni, a crítica ao Hino parte de uma ‘interpretação completamente desprovida de seu teor histórico’.

    A deputada Laura Sito (PT) considera inconstitucional a proposta, descrita pelos parlamentares que a subscrevem como uma forma de resguardar o artigo 6º da Constituição gaúcha,. “Leis são discutidas, os símbolos também podem se alterar conforme o entendimento e o debate do Parlamento”, argumenta Laura.

    Desde 2022, a petista e os parlamentares Matheus Gomes (PSOL) e Bruna Rodrigues (PCdoB), que compõem a ‘bancada negra’, permanecem sentados durante a execução do hino, em protesto.

    O hino gaúcho, do século 19, já passou por alterações.

    As edições foram feitas em 1838, 1933 e na década de 1960. A versão mais atual da letra é de 1966, quando a canção foi oficializada como Hino Rio-Grandense ou Hino Farroupilha.

    À época, foi retirado um trecho que fazia referência a símbolos do passado greco-romano – considerado desconexo com a história do estado.

    Retirada da emenda

    Apesar da preocupação de parte da Assembleia com as ‘ameaças’ à mudança do Hino, não há nenhum projeto de lei em tramitação com esse objetivo. O embate acontece entre duas matérias que tratam da preservação dos símbolos – a PEC de Lorenzoni e o Projeto de Lei 2/2021, de autoria do deputado Luiz Marenco (PDT).

    A proposta de Lorenzoni prevê tornar mais difícil uma alteração do hino, da bandeira e do brasão do Estado, que seriam incluídos no texto da Constituição Federal. Qualquer mudança, portanto, exigiria três quintos do Parlamento, a maioria absoluta dos deputados.

    Já o projeto de Lei de Marenco, protocolado em 2021, propõe que eventuais tentativas de alteração dos símbolos oficiais do estado passem por um referendo.

    A decisão seria tomada por meio de uma consulta popular.

    Ao longo da tramitação da PEC na Assembleia, foi feito um acordo para que esse projeto fosse incluído na proposta de Lorenzoni. A emenda passaria a incluir o referendo.

    Na terça passada, porém, Marenco pediu a retirada da emenda do projeto. A atitude foi descrita por Lorenzoni como uma ‘quebra de palavra’. O pedetista foi acusado de não ter ‘conexão’ com as tradições gaúchas.

    Ao Estadão, Marenco disse que a exclusão ocorreu a partir de um pedido do PDT nacional. “Ele [Lorenzoni] pode pensar isso. Nós temos o direito de retirar a emenda. Não queremos que seja uma PEC, que seja imutável. O povo tem que discutir.”

    As duas propostas deverão ser votadas no dia 11.

    Em resposta à decisão do PDT, Lorenzoni declarou que considera que a sua proposta se tornou a ‘PEC da Democracia’ ao longo da tramitação na Assembleia. “Várias alterações foram feitas, inclusive com a minha anuência, para que chegássemos a um resultado plural.” Segundo ele, a palavra ‘imutabilidade’, que consta da PEC, foi ‘mal escolhida’ e não representa o objetivo do grupo.

    A deputada Laura Sito, no entanto, discorda que as alterações tenham trazido uma nova perspectiva. “A origem da PEC ainda se mantém”, ela diz. “A qualificação do quórum, precisando de dois terços para mudar o hino, é uma simbologia ruim. Nós vamos dialogar em cima do projeto de Marenco que mantém um quórum simples para a alteração do texto”, disse.

    Há tempos as críticas ao hino fazem parte da pauta da autodenominada bancada ‘movimento negro’. Mas essa é a primeira vez que o tema é debatido acaloradamente na Assembleia.

    Para Bruna Rodrigues (PCdoB), a pauta foi proposta de modo ‘atravessado e antididático’ por Rodrigo Lorenzoni. “Entendemos que ainda deveria haver um debate mais maturado com a sociedade antes dessa discussão”, disse Bruna. “É a primeira vez na história que temos uma bancada negra gaúcha, nunca tivemos uma correlação de forças ou condições de tratar do tema de forma séria.”

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