• PÁTRIA É UMA AVÓ QUE ASSOBIA

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  • 09/09/2017 12:35

    Pátria, quem és? Nesses dias negros, como ser patriota? Há saídas muitas. Nélson Rodrigues escolheu: pátria de chuteiras. Fernando Pessoa fincou sua pátria na língua portuguesa. Caetano, queixoso da macheza do vocábulo, queria Mátria, mas nosso hino já a quer mãe, e gentil. Para uns, pátria será a palmeira onde canta o sabiá. Outros a verão na prata do luar, que não há, oh gente, não há como este do sertão. E sempre haverá quem fará pátria no rio da sua aldeia, bem menor mas sempre maior do que o Tejo, como mensurou, de novo, Pessoa. Deve existir quem veja a pátria em palácios de Brasília, arranha-céus de São Paulo, hidrelétricas gigantescas pelos rios. Não faltarão os que terão pátria nas efígies de Tiradentes, José Bonifácio e Dom Pedro. Os que sussurrarão pátria com olhos na selva amazônica, nas rochas vulcânicas de Fernando de Noronha, nas areias do Rio ou Maceió.

    Sei de emigrados que recebem a pátria na Europa, em memórias embutidas em rapadura, revistas do Carnaval e pacotes de feijão. Gente que sente a pátria no peito quando, no exterior, ouve as Bachianas de Villa Lobos, ou os acordes de Jorge Ben. Exilado, Pedro II quis terra da pátria no seu travesseiro de defunto. Terra. Onde pisamos, jogamos pião, contamos formigas, fazemos bonecos de lama, semeamos flores, é também pátria. A goiabeira do quintal no Caxambu é pátria idem. As árvores da praça na Chácara do Paraíso, em Friburgo, onde risquei o nome de Mariana, são pátria igualmente. 

    Pois pátria é esse armorial de nós, os brasões de família, iniciais de moradores incrustadas no ferro do portão, as três estrelas vermelhas pregadas por nossas mães na camiseta alva do adolescente Trilume Futebol Clube, e os tribais desenhados em carteiras de escola e cadernos de amigos. Pátria é a bandeira do Flamengo que tremula na minha estante, com ventos das parábolas perfeitas de faltas cobradas pelo Zico, e as passadas de príncipe do lateral direito Leandro. E pátria é, oh como é, o assobio de hinos pela minha avó escovando seus longos cabelos de madrugada. Pátria o sol fazendo ouro nas xícaras floridas da sua cristaleira. Os girassóis na frente da sua casa modesta no Morro da Glória de outrora. Pátria, o primeiro beijo, com sabor de alvura, cravo e canela, nas ladeiras do Caxambu. Pátria, o arfante abraço na cálida namorada quando tocavam os sinos da Catedral. A memória das freiras que me encontraram matando aula na Rua Ipiranga e elogiaram o monge de kung fu que eu desenhava sentado na calçada. É a pedra no meio do rio de Pedro do Rio onde me pus a ler Drummond.

    Quando um dia você estiver em algum pódio com medalha ao peito, chorando pela vitória enquanto lentamente sobe a bandeira nacional, a pátria que te chamará as lágrimas não será essa de autoridades corruptas que dão nojo. Será, sim, esse conjunto amorfo e formoso de memórias, coisas, pessoas, vivências, lugares. E até o próprio hino nacional, bonito e impetuoso, de imagens barrocas e exagerados florões. Porque pátria é aquilo que nos fez felizes, mesmo que essa, de governos podres, palácios vendidos e políticos corruptos, nos ponha párias, nos ponha tristes. Pátria é sempre esperança! De um dia amanhecermos todos onde, sob o cheiro do bolo de milho no forno, ternas avós assobiarão felicidade aos ouvidos de netos que terão direito a sonhar com um país de luz e fraternidade. Porque pátria é uma avó que assobia em nossa saudade. Disso, sou patriota!

    denilsoncdearaujo.blogspot.com


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