• Partidos: desconfiança popular e umbigos

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  • 27/11/2021 08:00
    Por Gastão Reis

    Muito já se falou sobre o dinheiro, o dito vil metal, quase sempre visto por um ângulo muito negativo. Como economista, aprendi que existem modos de organizar a vida econômica de tal forma que o dinheiro seja bem aplicado em prol do bem comum. E alertado sobre os malefícios que ele pode produzir quando os desvios de rota de seu bom uso entram em ação. Neste caso, é comum que governo, partidos e políticos se deem as mãos para irem em direção oposta à do interesse público. Em especial, no Patropi.

    O caso dos partidos políticos brasileiros, exceto o Novo, é ilustrativo. Eles foram buscar a sobrevivência financeira em fundos públicos por não disporem de recursos oriundos das contribuições de seus filiados. A pesquisa do Datafolha sobre a confiança da população nos poderes e nas instituições, publicada na Folha de São Paulo (25/09/2021), é mais que reveladora dessa disposição quase zerada de os eleitores colocarem a mão no bolso para fazer doações a partidos políticos.

    A pesquisa se baseou em três perguntas – confia muito, confia um pouco e não confia – nos revela um quadro deplorável no item partidos políticos. Simplesmente 61% da população não confiam neles, 35% confiam um pouco (resposta que pode ser entendida como desconfia muito) e apenas 3% confiam muito. Foi o pior resultado entre as instituições avaliadas.  Sua rejeição de 58% em 2019 subiu agora para 61%. Eles são malvistos pela população, cuja decepção aguda está na raiz de seu pouco apreço pela democracia nas pesquisas feitas sobre o tema na América Latina.

    Este resultado deixa claro a razão última da mencionada indisposição de contribuir financeiramente para instituições em que os eleitores não acreditam. Ninguém paga para ver naquilo em que não acredita. O estranho, no histórico brasileiro dos partidos políticos, é que eles não buscaram reverter essa situação. Caminharam na direção oposta de meter a mão no bolso de quem paga impostos apelando para a criação de fundos, partidário e eleitoral, cuja aprovação em plebiscito jamais contaria com o sinal verde da população. Dupla incompetência: não só não têm recursos para pagar as contas administrativas do partido e menos ainda para financiar parte de suas campanhas eleitorais.     

    Outra distorção que ajudou a piorar ainda mais a imagem pública dos partidos foi a criação indiscriminada de novas agremiações. Temos hoje no congresso cerca de 25 partidos com representação. É impossível ter 25 posicionamentos ideológicos realmente distintos. O eleitor se sente perdido. Pior: enganado. Fica claro que o compromisso dos partidos e dos políticos é com o próprio umbigo. Fortalece a máxima de que “partido tem dono”. Daí a criação deles em ritmo de cogumelo, imagem que reflete bem sua fragilidade.

    A situação chegou a tal ponto que surgiu a proposta da criação de federações de partidos, que vai reunir siglas com um mínimo de afinidades ideológicas. Ela nasceu da constatação, na prática, da imensa dificuldade de acomodar tantos umbigos políticos na hora de votar leis necessárias e revogar as caducas e contraproducentes para ter efetivo compromisso com o interesse público. Bem mais procedente seria a fusão desses mesmos partidos, pois contribuiria muito mais para dar densidade concreta à nossa democracia quando medida pela régua de bom atendimento ao bem comum, expressão raramente ouvida nas casas legislativas municipais, estaduais e federais.   

    Em conversas informais nas ruas, bares, restaurantes e reuniões familiares, a pergunta que escancara nossa perplexidade é sempre a mesma: como chegamos a esse ponto? E ela se repete entre cientistas políticos, sociólogos, economistas e analistas respeitados da cena política. Nestes, é surpreendente a frequência da abordagem de nossa sinuca de bico com uma visão de curto prazo, onde predomina o enfoque nas declarações estapafúrdias de altos escalões do Patropi, fugindo de uma análise dos efeitos de longo prazo da atuação dos fatores nefastos geradores desse deplorável estado de coisas.

    Podemos mesmo parodiar o Barão de Itararé. Nos anos da década de 1930, inquirido sobre “O que era o Estado Novo?” foi rápido no gatilho, e sucinto: “É o estado a que chegamos.” A mesma resposta poderia ser dada se lhe pedíssemos para nos dizer “O que é hoje o Estado republicano brasileiro?”.

    Vejamos agora o fenômeno umbigoide em suas outras manifestações.

    Na mídia televisionada, vez por outra, aparece os plenários da Câmara dos Deputados dos EUA e do Parlamento inglês. Desconhecemos em geral o fato de que os deputados americanos deixam seus celulares em escaninhos antes de entrarem no plenário. No caso inglês, é impossível detectar algum membro com o celular no ouvido durante uma sessão legislativa. Também estão sempre sentados e atentos a quem está fazendo uso da palavra. É um  ato de duplo respeito: aos colegas e aos eleitores que eles representam.

    Certamente, caro(a) leitor(a), deve ter-lhe vindo a lembrança do plenário da Câmara dos Deputados no Brasil. Tem sempre um grupo em pé no centro do plenário obstruindo a visão de quem está sentado. É comum vermos vários parlamentares com o ouvido colado ao celular sem dar a menor bola para o colega que, da tribuna, se dirige aos demais, inclusive a eles. Para coroar a falta de respeito, o próprio presidente da Casa se dá ao desplante de usar o celular enquanto preside a sessão. São fatos que comprovam a plenitude em que se exerce o fenômeno que rotulei de umbigoide.

    O Estado a que chegamos é destrambelhado a tal ponto que não só nossos supostos representantes não nos representam e nem mesmo se tratam com respeito mútuo que deveriam ter um pelo outro. Partidos de esquerda não ouvem os de direita e vice-versa. Talvez tenhamos inventado o parlamento, com “p” minúsculo, de surdos mútuos, com o devido respeito aos surdos. Tarda a hora de nos respeitarem e de se respeitarem. Seria um bom começo.     

    (*) Autor de “A FALÊNCIA DA RES PUBLICA – Ensaios e artigos em busca do tempo perdido. Edição impressa pelo e-mail vendas@linodigi.com.br. Ou digital, digitando no Google o título e o nome do autor.

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