Park Chan-Wook subverte expectativas de sexo e violência e investe no amor
Park Chan-wook ficou conhecido pela violência, pela nudez e sexo de filmes como Oldboy (2003), grande prêmio do júri em Cannes, e A Criada (2016). Mas, em Decisão de Partir, pelo qual levou o prêmio de direção no último Festival de Cannes, em maio, ele não utiliza nada disso, mesmo se tratando de um filme sobre uma investigação e um romance. O longa-metragem, que já teve pré-estreias e será lançado oficialmente na quinta-feira, 5, está entre os favoritos ao Oscar de produção internacional.
Indagado sobre a ausência do combo que o tornou famoso, durante coletiva em Cannes, Park protestou com bom humor. “Por que você está perguntando isso para mim?”, disse. “A verdade é que eu queria fazer um filme para adultos, e todo o mundo me disse: ‘Ah, então vai ser muito erótico, vai ter muito sexo’. Eu achei estranho que fosse essa a expectativa das pessoas em se tratando de uma obra para adultos. Decidi fazer o oposto.”
Em Decisão de Partir, Hae-jun (Park Hae-il) é um detetive em Busan que sofre de insônia com os casos que não consegue resolver. Um dia, ele é chamado para investigar uma morte – um homem aparentemente caiu de uma montanha depois de escalá-la. Sua mulher, Seo-rae (Tang Wei), se torna a principal suspeita por não parecer nada abalada com a perda do marido. Para piorar, ela é chinesa e refugiou-se na Coreia do Sul depois da morte de sua mãe, em circunstâncias suspeitas. Hae-jun, que vive um casamento de longa distância com a mulher, que trabalha em uma usina nuclear, fica intrigado com aquela mulher misteriosa. Decisão de Partir parece um neonoir com uma femme fatale, mas Park Chan-wook subverte as expectativas.
O diretor, que escreveu o roteiro em parceria com Jeong Seo-kyeong, com quem colabora desde Lady Vingança (2005), inspirou-se em duas coisas. A primeira foi a canção The Mist (a névoa), de Lee Bong-jo. Por isso, queria que a ação se passasse em uma cidade tomada pela neblina. A segunda foi Martin Beck, o investigador sueco de uma série de livros escrita por Maj Sjöwall e Per Wahlöö. “Queria um detetive que fosse suave, tranquilo, limpo, educado e gentil”, disse Chan-wook em entrevista à imprensa. O ator Park Hae-il ficou feliz de interpretar um personagem tão pouco visto. “Normalmente, os policiais são duros, violentos. Aqui, não. E eu queria muito poder mostrar esse tipo de oficial, porque eles existem por aí”, contou na coletiva em Cannes.
Essa natureza se transferiu também para o estilo do filme. “Enquanto meus trabalhos anteriores eram intensos, feitos com o objetivo de oferecer uma experiência muito estimulante, Decisão de Partir é um longa que sutilmente e imperceptivelmente puxa a audiência e captura seu interesse”, afirmou Park na entrevista do material para imprensa.
O relacionamento de Hae-jun e Seo-rae é feito de coisas não ditas, de palavras nem sempre compreendidas – em coreano, há nuances nas falas que são praticamente intraduzíveis. E de pequenos gestos e olhares que podem ser percebidos apenas em uma segunda – ou terceira – sessão. O objetivo do diretor era mesmo fazer uma obra clássica, que pudesse ser vista e revista, mas que não fosse antiquada. Park Chan-wook continua estiloso como sempre, com enquadramentos e movimentos de câmera criativos e flashbacks inseridos no tempo atual, por exemplo. O resultado tem uma atmosfera dos filmes românticos de antigamente, arrebatadores em seus desejos contidos, mas com roupagem de hoje.
Chamarizes
Para quem conhece a obra do cineasta e está achando surpreendente que ele tenha apostado em uma história de amor, a verdade é que Park Chan-wook acredita que todos os seus filmes falaram do tema. Só que, em geral, o romance estava escondido atrás de diferentes gêneros cinematográficos e de chamarizes como o sexo e a violência. Aqui, não. “Eu acho que as pessoas mostram quem realmente são por meio do amor”, explicou ele em Cannes. “A natureza humana realmente aparece quando existe amor.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.