• ‘Parecia uma conversa de mesa de bar’, diz criminalista sobre prisão de Jefferson

  • Continua após o anúncio
  • Continua após o anúncio
  • 24/10/2022 21:36
    Por Isabella Alonso Panho, especial para o Estadão / Estadão

    Após a prisão do ex-deputado Roberto Jefferson (PTB) por volta das 19h deste domingo (23), passou a circular um vídeo no qual agentes da Polícia Federal negociam tranquilamente a rendição do político dentro da sua residência. A conversa aconteceu após os ataques a tiros e granadas que feriram um delegado e uma policial. A gravação causou desconforto entre delegados da PF. No vídeo, um dos agentes diz a Jefferson ‘o que o senhor precisar a gente vai fazer’.

    Em entrevista ao Estadão, o advogado criminalista Celso Vilardi, professor da FGV, avalia que o clima entre policiais e Jefferson pareceria ‘uma conversa de bar’, o que foge aos protocolos habituais da Polícia Federal. “Aquela cena que foi filmada, em que estão todos conversando, e a Polícia ouvindo atentamente a versão do sujeito que atirou contra ela, como se estivesse todo mundo numa conversa de bar, é absolutamente inadmissível.”

    Vilardi também falou sobre os movimentos do ministro Anderson Torres, da Justiça, que quase foi à casa de Jefferson para acompanhar a operação da PF. Pouco antes da prisão do ex-deputado, o ministro Alexandre de Moraes deu uma decisão alertando que a intervenção de ‘qualquer autoridade em sentido contrário, para retardar ou deixar de praticar, indevidamente o ato, será considerada delito de prevaricação’.

    Leia a íntegra da entrevista:

    Qual é a sua avaliação sobre abordagem da Polícia Federal na casa de Roberto Jefferson?

    Em primeiro lugar, a Polícia agiu corretamente ao cumprir uma ordem de um ministro Supremo Tribunal Federal. Foi recebida a granadas e tiros, o que é absolutamente lamentável e um ato criminoso. Na sequência, eu esperava que fosse feita a prisão daquele cidadão. Mas me chocou a imagem de um agente da Polícia Federal conversando descontraidamente com uma pessoa que acabara de atirar contra toda uma equipe. Em primeiro lugar, eu não sou favorável à troca de tiros, não sou favorável a que a Polícia invadisse e matasse o criminoso. Porém, aquele tratamento, como se as pessoas tivessem conversando numa mesa de bar com quem acabara de atirar contra as pessoas, me deixou surpreso com a atitude do policial. Uma coisa é negociar. Uma coisa é evitar a morte de mais uma pessoa. Outra é conversar com uma pessoa que cometeu atos absolutamente ilícitos e estarrecedores como se estivessem em uma conversa de bar.

    Isso é um padrão nas operações da PF? O sr. já viu isso acontecer em outros casos?

    Eu nunca vi. Eu advogo há 32 anos, acompanho muitas operações da Polícia Federal, e tenho visto inclusive ações dela às 6h da manhã, na casa de empresários, que eu considero até desproporcionais, com invasão, uso de força, quebra de janelas, de portas, etc, com pessoas que estão desarmadas e que não oferecem qualquer resistência à prisão. E ontem, o que se viu, na verdade, foi uma pessoa que reagiu de forma brutal, em um verdadeiro atentado contra agentes da Polícia Federal e não houve nenhum tipo de atitude de força, o que era preciso. Óbvio, não estou defendendo, repito, que a Polícia Federal entrasse baleando qualquer pessoa. Agora, aquela cena que foi filmada, em que estão todos conversando, e a Polícia ouvindo atentamente a versão do sujeito que atirou contra ela, como se estivesse todo mundo numa conversa de bar, é absolutamente inadmissível. O Brasil precisa acordar. Nós estamos vivendo um momento muito perigoso, e uma atitude como aquela tem que ser efetivamente coibida, na forma da lei. Sem condescendência com um sujeito que praticou um ato como aquele.

    A quais motivos o sr. atribui essa tratativa tão diferenciada que foi dada a Jefferson?

    Eu não posso atribuir motivos, porque isso seria, na verdade, uma conjectura. Na qualidade de advogado e professor de Direito, isso não cabe a mim. Simplesmente estou colocando a minha opinião diante do que aconteceu. O que eu espero é que exista uma investigação aprofundada, inclusive para saber como é que uma pessoa como essa, que estava no regime de prisão domiciliar alternativa à prisão preventiva, pudesse ter um arsenal como esse homem tinha na casa dele. Isso é outro fato estarrecedor.

    O sr. acha que é possível dizer que houve uma tratativa diferenciada por se tratar de um preso com melhores condições econômicas?

    Essa questão de tentar separar as coisas por questões econômicas é uma bobagem. Eu já advoguei para muita gente com poder econômico alto, pessoas abastadas, e que tiveram que enfrentar uma Polícia Federal extremamente agressiva em operações às 6h da manhã. Eu não atribuo isso a uma questão de o sujeito ser rico ou ser pobre. O que se verificou ontem é algo que não faz parte do modo de proceder da Polícia Federal. E é o que me surpreendeu.

    A respeito da presença do ministro da Justiça, o sr. considera que isso foi apropriado ou também faz parte de um cenário de excepcionalidade?

    O ministro da Justiça não deveria fazer parte de uma questão como aquela, na minha opinião. Se eu fosse o presidente da República ou se eu fosse o ministro da Justiça, eu não tomaria parte de um ato como aquele. Aquilo é, na verdade, um ato de banditismo comum, estarrecedor, absolutamente surpreendente. Mas não justifica a presença de nenhum ministro da Justiça.

    Últimas