Para Lerner, ‘todas as cidades deveriam ter um sonho’
Nome de destaque da arquitetura e urbanismo brasileiro e internacional, o curitibano Jaime Lerner morreu na manhã desta quinta-feira, 27, aos 83 anos. Internado desde domingo, 23, no Hospital Evangélico Mackenzie, em Curitiba, não resistiu a complicações renais de que sofria há tempos. Em março, mesmo tendo já tomado as duas doses de vacina, ele contraiu a covid-19, da qual se recuperou tratando-se em casa, sem grandes problemas.
“O Paraná perde um grande cidadão, que ajudou a transformar Curitiba e o Estado”, disse o governador Ratinho Junior, que decretou luto de três dias e destacou a sua importância na atração de investimentos. “Lerner dedicou uma vida inteira ao Estado, com realizações que transformaram Curitiba e servem até hoje de inspiração mundo afora”, acrescentou o governador.
“Todas as cidades deveriam ter um sonho e perseguir esse sonho. Em Curitiba, nós tivemos vários sonhos”, afirmou Lerner, certa vez, em uma entrevista. É uma boa definição de sua vida. Como urbanista, ele fez de Curitiba seu “laboratório de testes”. A partir dos anos 70, adquiriu notoriedade internacional, ganhando dezenas de homenagens s e prêmios, entre eles quatro títulos de doutor Honoris causa. Em 2017, a revista americana Planetizen o indicou o “segundo urbanista mais influente mundo”. Ele foi ainda consultor da ONU para assuntos de urbanismo e membro honorário das associações de arquitetos de sete países, entre eles Reino Unido, Canadá e Japão.
Obras
Entre suas obras marcantes estão o Jardim Botânico e a Ópera de Arame, conhecidos “cartões postais” curitibanos, e a implantação das vias expressas e dos “ligeirinhos”, sistema de ônibus de linha direta. Ele também inaugurou o Museu Oscar Niemeyer, conhecido como “Museu do Olho”.
Como pano de fundo, em suas iniciativas estava sempre o foco num melhor padrão de vida para os moradores da capital paranaense. Na sua lista de conquistas está o prêmio no Concurso Nacional de Projetos pelo edifício-sede da Polícia Federal, em Brasília, em 1967. Em 2007 recebeu da XI Bienal Internacional de Arquitetura de Buenos Aires o prêmio conjunto pela urbanização Pedra Branca. Seu currículo profissional incluiu também projetos de arquitetura e urbanismo em cidades como São Paulo, Rio, Recife, Salvador e Nata, entre outras.
Meio Ambiente
Uma de suas intervenções recentes foi o desenvolvimento do BRT no Rio de Janeiro, utilizado na Olimpíada de 2016. Mas ele deixou sua marca, também, na preservação do meio ambiente. Seu programa Curitiba Capital Ecológica incluía a pré-seleção e reciclagem de resíduos sólidos urbanos. Segundo o Instituto Jaime Lerner, o programa recolhe em torno de 15 mil toneladas de lixo ao ano e conta com a colaboração de 70% dos curitibanos.
Para garantir a adesão dos bairros mais pobres à ideia, no início dos anos 90 o então prefeito criou o programa Compra do Lixo. Os moradores da periferia separavam e encaminhavam o lixo para reciclagem e, em troca, recebiam vales-transporte. A iniciativa recebeu o prêmio máximo da ONU para o Meio Ambiente em 1990. Ao defender essas ideias, a atividade política de Lerner foi quase sempre um pano de fundo do trabalho. Como prefeito biônico de Curitiba, foi da Arena. Como governador, em 1994, foi do PDT, e reeleito em 1998 pelo PFL.
Seu olhar para os graves problemas das grandes cidades se traduz em análises que fez de vida paulistana. Por exemplo, separação das funções: “Morar aqui e trabalhar lá é a maior tragédia que existe. Ou separar as pessoas por renda: gueto de gente muito rica, gueto de gente pobre. Isso aumenta a violência.”