Pandemia não acaba se 3ª dose vier antes dos países pobres, diz diretor do Covax
Para frear a pandemia, é imprescindível garantir que as vacinas cheguem a todas as nações de forma igualitária. O primeiro passo é imunizar ao menos 20% da população de cada país, faixa que concentra as pessoas de alto risco para a covid-19, como idosos e trabalhadores da saúde. Mas o mundo está longe desta meta.
Isso é o que defende o argentino Santiago Cornejo, diretor de Engajamento com os Países do Covax Facility, consórcio que reúne nações para a aquisição de vacinas, em entrevista exclusiva ao Estadão. Segundo ele, a coalizão ainda precisa distribuir 1,7 bilhão de doses para atingir o objetivo. Até agora, foram entregues 200 milhões de doses pelo Covax.
Já foram aplicados 5,4 bilhões de doses de vacinas no mundo. Apesar da taxa significativa – cerca de 40% da população global recebeu ao menos uma injeção -, não há distribuição equitativa. Nos países de renda baixa, por exemplo, só 1,8% da população teve a chance de iniciar a vacinação. Os dados são da plataforma Our World In Data, vinculada à Universidade de Oxford (Reino Unido). Leia a entrevista:
Assim como os Estados Unidos, Israel e Chile, o Brasil decidiu aplicar dose extra da vacina na população mais vulnerável. Como vê essa estratégia?
É fundamental que continuemos as pesquisas para desenvolver nosso conhecimento sobre vacinas e sobre essa doença. E, cientificamente, o que sabemos até agora é que a vacinação completa protege o suficiente até mesmo contra as variantes, como a Delta (cepa identificada originalmente na Índia e mais transmissível), evitando internações graves e mortes. A prioridade máxima do mundo deveria ser garantir que cada país tenha vacinas suficientes para cumprir o esquema vacinal atual, e é isso que defendemos. É isso que vai permitir evitar internações. Assim que tivermos mais suprimentos, assim que alcançarmos essa cobertura mínima em todos os países, poderemos ver como aumentar a proteção com doses extras. Se os países começarem a usar os escassos suprimentos para aplicar uma terceira dose agora, a disponibilidade de vacinas ficará ainda mais limitada.
O acesso desigual contribui para surgirem variantes mais perigosas (a Delta avança em vários países e no Brasil)?
Com certeza. Por isso sempre dizemos que precisamos vacinar muito no mundo inteiro. Não podemos ter bolsões de pessoas não vacinadas. Não vai ser apenas um país ou uma região que irá derrotar essa pandemia. Isso é impossível, o mundo de hoje é conectado, as pessoas se movimentam. Precisamos de uma solução global.
Vários países, incluindo o Brasil, começaram a vacinar adolescentes. Como avalia isso?
Precisamos de vacinas para as populações de maior risco. Ainda há muitos países que não conseguiram vacinar grupos como profissionais de saúde, trabalhadores da linha de frente, idosos e pessoas com comorbidades. Essa é a nossa prioridade e deve ser a prioridade do mundo inteiro.
Muitos países têm dificuldade para ampliar a cobertura vacinal, mesmo com estoques. Por quê? E como combater o problema?
Começamos a ver alguns países atingirem um platô na vacinação. É triste ver isso em uma pandemia que tira muitas vidas. Uma das causas dessa hesitação em receber a vacina é a desinformação e a propagação de notícias falsas. Isso tem um impacto terrível e não podemos pagar por isso. Precisamos que todas as partes envolvidas trabalhem juntas. Não se trata de uma única pessoa, mas sim da sociedade. A solução é: comunicação, comunicação e comunicação. Precisamos que os países forneçam evidências científicas, de modo simples, para que as pessoas possam entender a importância da vacinação.
Documentos entregues à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), que investiga a gestão da pandemia pelo governo Jair Bolsonaro, indicam que o Brasil poderia ter pedido doses para vacinar 50% da população, mas escolheu a cota mínima (10%). Como o senhor avalia isso?
Assim como o Brasil, muitos países pediram 10%, enquanto outros pediram um pouco mais, 20%. Creio que tenha sido uma decisão nacional, baseada em planos, estratégias e necessidades do País. O Brasil é um parceiro estratégico do Covax e temos um ótimo relacionamento desde o início.
Se o País tivesse pedido o máximo possível, já teria recebido mais doses via consórcio?
Não, teria recebido exatamente a mesma quantidade. Estamos distribuindo de modo proporcional à população dos países independentemente do número de doses contratadas. Ainda não alcançamos os 10% que prometemos ao Brasil, mas esperamos cumprir até o fim do ano. Se o País tivesse solicitado os 50%, a principal diferença seria receber mais doses nos próximos meses.
Qual é sua opinião sobre a quebra de patentes?
A patente é um elemento, mas não é a solução ou a única solução, principalmente no curto prazo. A fabricação de vacinas é muito complexa. Não se trata só da patente, mas da tecnologia por trás. Precisamos de transferências de tecnologia para impulsionar a produção em muitas partes do mundo. Leva tempo para fazer, mas é disso que precisamos para diversificar a produção. Do ponto de vista da Covax, acreditamos que precisamos de mais empresas fabricando vacinas.
E a pergunta para qual todos pedem resposta: vacinar em massa vai acabar com a pandemia?
Gostaria de poder dizer quando e como a pandemia vai acabar, mas não posso. O que sei é que temos muito trabalho a fazer ainda em 2021 porque não fizemos o suficiente para um acesso equitativo às vacinas. E, o mais importante, já começamos a nos preparar para 2022 – teremos de continuar priorizando a vacinação. Isso será importante se quisermos derrotar esta pandemia.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.