• Palestras luminosas nos 100 anos da APL

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  • 13/08/2022 13:49
    Por Gastão Reis

    Após o competente resumo do histórico da APL – Academia Petropolitana de Letras, do meu confrade Fernando Costa, com a maestria de sempre, em seu artigo “Academia Petropolitana de Letras, 100 anos!”, no Diário de Petrópolis, em 06/08/2022, achei que valeria a pena fazer um breve resumo das palestras que fizeram parte das comemorações do centenário.

    O primeiro a falar foi o escritor, poeta e romancista, Carlos Nejar, membro da Academia Brasileira de Letras, autor da proeza de ter publicado 125 livros, sendo autor de um compêndio clássico sobre a literatura brasileira, usado pelo nosso presidente da APL, Prof. Leandro Garcia, quando estudante. Logo de início, Nejar nos brindou com a seguinte lampejo genial: “Nós não inventamos as palavras, elas é que nos inventaram”. O paradoxo foi logo resolvido ao me lembrar de João 1: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus”. E o Verbo, a palavra, se fez carne com a vinda de Cristo. O que dá bem a medida do lado divino da palavra, materializado na Boa Nova.

    Ele ainda nos falou de poesia e ficção, e da proximidade que existe entre elas, irmãs gêmeas que são. Nejar desafia os nossos sentidos ao nos dizer que palavra tem som, tem aroma, tem força. Poesia tem que voar, e ser mais leve que o ar. Só voamos quando sonhamos. Bateu na tecla do que batizou como “A Memória do Esquecimento”, na importância da civilização contra a barbárie, num país ao qual falta rumo. Para ele, com razão, o poema nasceu para ser falado, e não apenas lido. Leu ainda alguns de seus poemas como “Memórias do Porão” e “Invenção da Liberdade”. E nos desafiou a enfrentar a morte com serenidade: “A morte, sempre vivificada, é vida multiplicada”. E nos pergunta com seu verso: “Que procuram os homens na eternidade de pedra?”

    A palestra seguinte foi do nosso querido Joaquim Eloy que a iniciou com um protesto: “Nejar falou antes de mim!”, como se fosse impossível dizer mais alguma coisa. Mas disse muito sobre a Petrópolis dos anos 1920 e a respeito da própria Casa de Claudio de Souza. Iniciou nos brindando com uma explicação sobre os magníficos azulejos portugueses que decoram as paredes da casa. Claudio de Souza queria os autênticos com a exigência de terem sido fabricados no século XIX. Não queria os mais recentes, do início do século XX.

    E lá foi ele para Portugal em busca de seu tesouro. Os que ele queria já estavam afixados nas casas. Nas principais cidades, nada conseguiu. Foi para o interior até que descobriu uma casa cujos azulejos lhe deixaram encantado. Disse ao proprietário que queria comprá-los. E ouviu como resposta: “Então o senhor vem aqui para comprar as paredes da minha casa?” Lendo com o sotaque português fica mais engraçada a frase seguinte: “Sem lhe dizer para se retirar, e já dizendo, ponha-se no olho da rua”. Restou ao Claudio, aumentar a oferta até ficar irrecusável. E foi assim que vieram parar em Petrópolis.

    Joaquim Eloy nos lembrou dos bondes que trafegavam pela cidade naqueles anos. Eram fechados, diferentes dos do Rio de Janeiro, onde tempo frio é artigo raro. Uma peculiaridade de Petrópolis na época era quantidade de casas de jogo. Segundo ele, o fato, já consolidado, inspirou Joaquim Rolla a construir o Quitandinha, que só teve dois anos de vida, mas nem por isso deixou de ser um símbolo da cidade de Petrópolis.

    A desembargadora Andrea Pachá, confreira da APL, veio em seguida, abordando o tema “Literatura no Contexto dos Direitos Humanos”. Ela foi a responsável pela criação do Cadastro Nacional de Adoção. É autora de vários livros, dentre eles “A Vida não é Justa” e “Segredos de Justiça”. Inicialmente, nos informou que 1/3 dos atuais presos ainda estão sem julgamento. Sem dúvida, situação que precisa ser resolvida ontem. Cita Shakespeare: “O homem é o único animal que sonha”. Para ela, o ditado valeria para alguns. (Será? Mesmo prisioneiros têm sonho de fugir da prisão.) Mas seu foco é o ambiente de exclusão social em que sequer percebemos o que está acontecendo ao redor. Confessou que, no seu tempo de Colégio Sion, não notava a ausência de negras e mulatas.

    Ligada à literatura, afirma que passamos anos embranquecendo Machado de Assis. (A rigor, nem branco nem preto, mas mulato, símbolo hoje quase esquecido de nossa miscigenação.) E nada disso lhe causava impacto. Ela nos relembra que só pensamos no problema quando passamos a nos importar com ele. Condena a convivência, por tempo demasiado longo, com tantas rupturas dos direitos humanos. Comentou que Clarice Lispector estudou Direito para combater as injustiças. E que ela percorreu o caminho inverso.

    Cabe aqui a ressalva de que a ausência de voz dos mais humildes por medo foi um problema bem mais da república do que do Império. A historiadora brasileira Keila Grinberg, em pesquisa instigante, nos informa do fato de que “quase metade (158 contra 165) do número de ações de liberdade por maus tratos que chegaram à Corte de Apelação do Rio de Janeiro (STF da época) levaram à libertação dos escravos”. Os escravos se valiam de procuradores para processar seus senhores. Nos EUA, a infame decisão sobre o escravo Dred Scott, em 1857, dada pelo presidente da Suprema Corte, Roger B. Taney, declarava que os negros jamais poderiam se tornar cidadãos americanos; e, portanto, era inconcebível que impetrassem ações numa corte federal.

    Na última palestra, a do confrade Cleber Francisco Alves, ao longo da leitura de seu curriculum vitae, eu me dei conta de como nos conhecemos pouco, mesmo entre membros da APL. Suas realizações profissionais são impressionantes. Relatou-nos suas andanças, iniciativas e persistência para conseguir imprimir os primeiros 50 anos das Revistas da APL. Os anos restantes já dispõem de versão digital. Impossível, por falta de espaço, mencionar detalhes. Mas seu espírito empreendedor saltou aos olhos de quem teve a oportunidade de ouvi-lo.

    E agora é só caminhar em direção aos próximos 100 anos, com o mesmo espírito realizador e persistente que nos trouxe ao centenário da APL.

    Nota (*): Lançamento do meu livro, HISTÓRIA DA AUTOESTIMA NACIONAL –

    Uma investigação sobre monarquia, república e preservação do interesse público, no Shopping Rio-Sul, na Livraria Leitura, em 24/08/2022, quarta-feita, de 19 às 22 horas. Ficarei honrado com sua presença.

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