• País sem rumo e a corda bamba de Lula

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  • 24/06/2023 08:00
    Por Gastão Reis

    A república (note o merecido “r” minúsculo) brasileira parece estar em suicídio lento tamanha é a desmoralização do andar de cima. Ou seja, a res publica, na forma latina para preservar a dignidade da coisa pública, vem sendo forçada a beijar a lona com uma desfaçatez assustadora. A aprovação pelo senado da indicação do sr. Cristiano Zanin para o STF se deu em clima ameno de conivência de interesses menores entre a Justiça e a política. A reação da grande mídia e respectivos colunistas foi de dura crítica ao advogado de Lula em cargo de tal importância, tendo em vista seu passado.

    A colunista Malu Gaspar do jornal O Globo, de 22.6.2023, nos revela que “o clima da sabatina deixou Zanin à vontade para acionar o modo Rolando Lero e não tomar posição sobre aborto, drogas, marco temporal das terras indígenas, foro privilegiado e Lei das Estatais”. O modo samba do crioulo doido teve início quando Zanin teria dito que “como ministro, estará automaticamente impedido para julgar processos em que já atuou como advogado, mas não vê nenhum conflito para julgar ações da Lava-Jato ou relativas a Lula”.Entendeu? Nem eu.

    Em contraponto, merece registro o relatório divulgado, em 15.6.2023, por uma comissão do Parlamento inglês, que acusa o ex-Primeiro-Ministro Boris Johnson de ter engano, deliberadamente, seus pares a respeito das festas em Downing Street, 10, em Londres, na época da pandemia da Covid-19. O ponto central do relatório de 108 páginas, que abre espaço para expulsá-lo da Casa, foi enfatizar o fato de Johnson ter mentido para os parlamentares que o ques-tionavam. Na tradição inglesa, tal comportamento é inadmissível. Aqui não.

    Antes que o leitor ou leitora me diga que no Brasil foi sempre assim, cabe relembrar o episódio ocorrido com o tesoureiro da Casa Imperial que precisou de dinheiro e se valeu do caixa para pegar certa quantia, que repôs após uma semana. Infelizmente, para ele, o fato chegou ao conhecimento de dom Pedro II. Foi o suficiente para ser deportado para Portugal. Quebra de confiança explica.  

    Já no caso da república brasileira, a mentira se tornou algo corriqueiro sem maiores consequências. O caso de Lula é emblemático, até mesmo por já ter reconhecido que mentia ao dizer, muitos anos atrás, no exterior, que, no Brasil, havia 40 milhões de jovens perambulando pelas ruas. A ministra Marina Silva, recentemente, também no exterior, foi na onda e afirmou que o país tinha 100 milhões de famintos. E teve que se retratar. Como é que um país que tem 60% da população com problemas de obesidade pode ostentar aquele número absurdo? É o uso da mentira no jogo político sujo.

    Merval Pereira, por sua vez, em sua crônica diária, publicada no mesmo dia da de Malu Gaspar, sugestivamente intitulada “Aparência que não engana”, tece comentários pertinentes sobre a ação entre amigos em que transcorreu a sabatina. A primeira delas é que a indicação de um membro do Supremo não é uma atribuição exclusiva do presidente. É também do senado, que tem poderes para não aprová-la. Houve ainda, diz Merval, “o interesse suprapartidário em fortalecer o advogado que ajudou a desmoralizar a Lava-Jato”. O tropeção de Merval ocorreu ao mencionar uma das qualidades de Lula que, no passado,  teria indicado juízes independentes. Esqueceu obviamente de casos como os de Toffoli, Fachin e Lewandowski.     

    Ainda me recordo de um episódio vivido pelo ex-deputado Cunha Bueno e por mim quando fizemos uma visita ao ex-ministro Mário Henrique Simonsen, na FGV, para agradecer um artigo que publicou na revista Exame, em 1993, defendendo a opção pela monarquia parlamentar. Na época, sugeri ao ex-ministro que funções como a presidência do Banco Central e dos ministros do STF deveriam partir do monarca, ouvido o Conselho de Estado, sem excluir o veredito final do senado. Ainda me recordo da concordância de Simonsen com minha sugestão. Foi meu professor na EPGE – Escola de Pós-Graduação em Economia/FGV nos idos de 1972-1973. 

    O Brasil vive hoje uma dupla desconexão. A primeira, gravíssima, é a que ocorre entre o andar de cima e a população em geral, com frequência, indignada com decisões que a afrontam sem a menor cerimônia. A segunda diz respeito à grande mídia televisionada, cujas análises destoam, em boa medida, do que o cidadão comum pensa sobre o que, de fato, vem ocorrendo no país. A melhora havida foi nos jornais de circulação nacional cujos editoriais deixam transparecer certo arrependimento em ter dado apoio a Lula no período de campanha eleitoral. A recepção a Maduro parece ter sido a gota d´água.

    A aprovação do nome de Zanin para o STF guarda estreita relação com o caso de Lula. A diferença é que este foi ressuscitado politicamente pelo STF, quando, na verdade, não poderia ter sido sequer candidato a presidente. Pois bem, Zanin foi na mesma toada. Seu percurso como advogado, sem nunca ter exercido a magistratura, e ainda ter atuado aqui e no exterior em defesa de Lula, compõem um quadro claro contra a aprovação de seu nome pelo senado.

    Pode parecer exagero, mas o Brasil hoje nos faz lembrar daquela cena do Titanic afundando enquanto a orquestra continuava a tocar até ser levada pelas águas do mar. Esta pode ser uma boa (e triste) metáfora para a reação de fúria que vem se acumulando diante das afrontas sofridas pela população. Salta aos olhos que Lula não tem o apoio da maior parte da população. E isso sem mencionar sua base no congresso que vem lhe impondo reveses sérios, inclusive na linha de iniciativas (patéticas) de reestatizar a economia.

    E lá foi Lula, mais uma vez, para o exterior em sua missão de anão diplomático junto à Santa Sé, cuja boa fé ele ludibriou, e em mais um encontro com o presidente Macron da França, cujo interesse maior é obter o máximo de concessões que Lula parece estar disposto a conceder, algo que certamente não deve passar pelo congresso. No fundo, revela a imensa dificuldade de Lula de permanecer no país onde os problemas estão. A corda bamba está esticando, cada vez mais, e tem jeito de que vai arrebentar. Questão de tempo.

    Assista à entrevista intitulada Quando o Brasil perdeu o rumo da História, com mais de 23 mil visualizações:

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