Ozires Silva, Prêmio Nobel e nossos heróis
O Brasil está confuso. Muito confuso. Resultado da inversão de valores com que o país vem convivendo faz tempo demais. Ozires Silva, entrevistado no programa Roda Viva, deu um depoimento de interesse geral. Tem a ver com o fato de o Brasil não ter ganho um único Prêmio Nobel. (Não é bem assim, pois Peter Brian Medawar, nascido em Petrópolis, recebeu o Prêmio Nobel de Medicina, em 1960, por pesquisas sobre rejeição. Por volta dos 16 anos, ele foi estudar na Inglaterra, onde completou sua formação. Vida afora, carregava sempre consigo dois passaportes, o brasileiro e o inglês, segundo sua filha ao visitar Petrópolis. Tinha dupla nacionalidade, e jamais renunciou à brasileira).
Mas vamos lá. Ozires Silva, num jantar, sentou à frente de três membros do comitê que decide a concessão do Prêmio Nobel. De chofre, lhes perguntou por que o Brasil não tinha um único ganhador da honraria. Desconversaram, mas, após algumas doses de vodka, bebida de alto teor alcoólico, um deles lhe disse que iria responder à pergunta que ele havia feito. Curto e grosso, afirmou: “Vocês brasileiros são destruidores de heróis”. Disse mais: “Quando aparece um candidato brasileiro todo mundo joga pedra. Não tem apoio da população. Parece que o brasileiro desconfia um do outro ou tem ciúmes um do outro”. Será? Ozires sentiu a resposta como um soco no estômago.
Mas respostas de boa qualidade precisam ser inseridas num dado contexto histórico. O Prof. Carlos Lessa, que foi presidente do BNDES e era profundo conhecedor de nossa história, em palestra proferida em Natal/RN, por volta de 2008, afirmou que, ao longo do século XIX, o brasileiro não tinha um proble-ma de baixa autoestima tamanha era a credibilidade (e a confiabilidade), nos planos interno e externo, do Brasil e da figura de D. Pedro II. Baixa autoestima coletiva é sempre alimentada pela desconfiança aguda entre as pessoas.
Nessa linha, o membro do Comitê Nobel teria razão. Mas, se houvesse o Nobel na época, seria muito provável que Machado de Assis, o Barão do Rio Branco, Santos Dumont e a Princesa Isabel, muito provavelmente, teriam sido agraciados por razões óbvias. E com apoio popular. O clima reinante era de confiança nos governantes, em especial em Dom Pedro II e na Princesa Isabel.
Mesmo no início dos tempos republicanos, talvez pelos eflúvios oriundos do Império, ocorreu um fato interessantíssimo na vida do Barão do Rio Branco, que era recebido com flores pela população quando chegava de trem na estação ferroviária de Petrópolis então existente. No fim da vida, o Barão estava muito endividado. E, por iniciativa popular, foi definida uma verba, aprovada pelo Congresso, para quitar suas dívidas. Uma das razões, dentre outras, é que ele havia incorporado ao território brasileiro cerca de um milhão de km2 sem disparar um tiro sequer. Muito diferente do caso dos EUA em relação ao México.
A rigor, a pergunta que se impõe é quando nós, brasileiro(a)s, nos teríamos transformado destruidores de heróis. Evidentemente, como nos informa o Prof. Lessa, este estranho esporte autodepreciativo não existiu desde sempre no País. A boa notícia é que houve uma mudança positiva. A melhor obra que conheço para mostrar como esse processo se deu, e as razões para revertê-lo com base em informações fidedignas, é o livro do Prof. Evandro Fernandes de Pontes, intiulado “Os Pilares da Independência do Brasil”. A edição digital gratuita esta disponível no link www.funag.gov.br/biblioteca.
Alguns exemplos podem ilustrar como as imagens de nossos grandes vultos históricos foram desfiguradas e até mesmo desconectadas de fatos históricos bem documentados. Dom João VI se torna fujão, medroso e glutão. É fato que comia muito. Mas foi fuga ou retirada estratégica? Na verdade, estas duas últimas palavras é que são verdadeiras a ponto de Napoleão reconhecer que foi o ùnico que o enganou. Mais: haveria coragem maior do que colocar toda sua família em risco na travessia do Atlântico? Ter medo é uma reação humana normal. Mas ele não deixou se imobilizar, lado fatal do medo.
O caso de Dom Pedro I foi pior ainda em matéria de negação de suas virtudes, mesmo levando em conta seu lado impulsivo. O saldo é bastante positivo. O Prof. Evandro Pontes nos brinda com as seguintes informações: “Desde cedo, Pedro foi exposto à música, à matemática, a atividades expressivas (ler, escrever, aprender línguas, sobretudo as estrangeiras, e as antigas, habilitando-o em latim quando ainda estava alfabetizando-se). Aos dez anos, já dominava além do português e do latim, o espanhol, o francês, o inglês e o alemão. Ao tempo da Regência, (…) o italiano”. Tinha também o hábito de ler duas horas por dia vida afora. E ainda coragem pessoal em momentos muito difíceis de sua vida aqui e em Portugal ao vencer seu irmão absolutista.
No caso da imperatriz Leopoldina, felizmente, ela começa a ser vista sob outro ângulo em função de livros publicados aqui e no exterior, que lhe dão sua real dimensão. Max Fleuiss, pesquisador bem documentado, nos revela o seguinte: “À princesa D. Maria Leopoldina cabe, sem favor, relevante papel tanto na jornada histórica do ‘Fico’, como, principalmente, na proclamação de nossa emancipação política. A primeira Imperatriz do Brasil já foi, pelos órgãos mais autorizados da crítica histórica nacional, sagrada com o título de Paladina da Independência Brasileira”.
Estas rápidas pinceladas sobre o papel de D. João VI, D. Pedro I e da imperatriz Leopoldina na concretização de nossa independência nos revelam um quadro muito diferente daquela visão de chanchada histórica da Carla Camurati no filme “Carlota Joaquina, Princesa do Brazil”. O dramático nessa visão de nós, brasileiros, como destruidores de nossos heróis, é que joga nossa autoestima lá no tornozelo. O Brasil republicano é que se enquadraria nesse clima de chanchada no jogo político em que as pessoas não se reconhecem em seus dirigentes. O lado redentor é a da reação popular que vem se avolumando na direção correta. Que assim seja!
“Dois Minutos com Gastão Reis: O cheiro desagradável do poder”.