• Ouro de tolo

  • Continua após o anúncio
  • Continua após o anúncio
  • 18/12/2022 08:00
    Por Ataualpa Filho

    Em 1973, Raul Seixas lançou um disco em vinil com o título “Krig-Há, Bandolo!”, no qual, há a canção “Ouro de Tolo” que está entre as cem melhores músicas brasileiras na relação feita pela revista “Rolling Stone”. A expressão “ouro de tolo” tem raízes medievais. Remete a falsos alquimistas que douravam outros metais para passar como ouro.

    A pirita é que se notabilizou verdadeiramente como “ouro de tolo” pela semelhança na coloração.  Por isso, o dito popular: “nem tudo que reluz é ouro”. 

    Nem todos sabem estabelecer as diferenças entre ouro e pirita. Este metal era vendido como se fosse aquele. Tolo, portanto, era quem não conseguia diferenciá-los.  A pirita não tem a mesma maleabilidade do ouro. Por isso que, para identificá-los, algumas pessoas mordiam levemente. Caso fosse ouro, ficava a marca dos dentes. A perita é dura, não flexível.

    No século XVIII, no período conhecido como “Corrida do Ouro”, em várias ocasiões, a pirita foi vendida como metal precioso. Tolos eram os que compravam.

    A participação da seleção brasileira de futebol na Copa do Mundo de 2022 me fez lembrar essa bela canção de Raul de Seixas, não somente pelo título, mas também pela reflexão que há nas seguintes estrofes:

    “Ah!/ Eu devia estar sorrindo/ E orgulhoso/  Por ter finalmente vencido na vida/ Mas eu acho isso uma grande piada/ E um tanto quanto perigosa/ Eu devia estar contente/ Por ter conseguido/  Tudo o que eu quis/ Mas confesso abestalhado/ Que eu estou decepcionado/ Porque foi tão fácil conseguir/ E agora eu me pergunto ‘E daí?’/ Eu tenho uma porção/ De coisas grandes pra conquistar/ E eu não posso ficar aí parado.”

    Acho que, ao lado da preparação física, dos treinamentos técnico-táticos, deveriam ter também algumas palestras para os selecionados no que se refere à questão do representar uma nação, um povo, a cultura de um país, mesmo nos momentos de folga.  

    Dentro da minha parca visão de mundo e das relações entre os humanos, vi algumas falhas fora das quatro linhas. Talvez o tempo seja muito curto para uma preparação mais ampla. Temos que nos preparar para as conquistas, para as vitórias, mas também temos que aprender com as derrotas. 

    Aprendi que não se deve perder a oportunidade de aprender. Se o que fizemos deu certo. Precisamos avaliar para aprimorar. Se erramos, devemos procurar corrigir com o propósito de não cometer os mesmos erros.

    Sei que, para algumas pessoas, “vencer na vida” consiste em acumular bens. Vale ressaltar que a riqueza patrimonial é bem diferente da riqueza ética. Essas duas riquezas não são antagônicas, nem excludentes. Podem andar harmoniosamente lado a lado. “A grande piada/ um tanto quanto perigosa” consiste em criar reinado no estômago. O carregar “rei na barriga” geralmente leva à prepotência que alimenta o orgulho e as indiferenças. Quem anda cheio de si tende a menosprezar os outros.

    Na minha modesta forma de encarar a realidade, vejo a vaidade como o “ouro dos tolos”. O que chamam de “glamour” consiste no alimento equivocado do ego. Os tolos são vaidosos. Valorizam o supérfluo. Precisam do segregacionismo para estabelecer diferenças. Precisam ter o sentimento de superioridade, por isso discriminam, menosprezam para respirar o ar da empáfia. 

    A pior pobreza é a que está no coração quando não há humildade, não há respeito pelos desprovidos de bens materiais. Considero a ostentação glamourosa uma agressão social. Essa agressividade revela o vazio das consciências desprovidas de valores humanos. Há um comércio que explora essa vaidade. Vendem até carne banhada a ouro. E pelo meu parco conhecimento no campo nutricional, acho que o ouro não tem valor nutritivo, contudo, alimenta vaidades.

    O desespero que era moda em 73, como afirmara Belchior em “A Palo Seco”, não é muito diferente do que vivemos em 2022. O ódio, as armas, as guerras, as perseguições ideológicas atravessaram séculos criando abismos sociais.

    Não tão desesperadamente como antes, ainda grito em português, porque também, como Raul, “não me sento no trono de um apartamento/ com a boca escancarada/ cheia de dentes/ esperando a morte chegar”. Ainda sonho com uma sociedade com alternativas de vida digna para quem não pode comer carne folheada a ouro.

    Últimas