• Os sobrados de Petrópolis: segredos e arquitetura

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  • 11/09/2018 15:10

    Para quem nasceu em Petrópolis, as velhas fachadas multicoloridas ao longo da Rua do Imperador, no Centro Histórico, passam despercebidas durante a maior parte do tempo. Para quem visita a cidade, no entanto, o mosaico arquitetônico formado pelos antigos sobrados do fim do século 19 são uma das principais características de Petrópolis, que tornam a cidade tão diferenciada e encantadora. O aspecto pitoresco da cidade, no entanto, só existe graças a uma rígida política de preservação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico (Inepac), que na década de 1990 conseguiu tombar finalmente o conjunto urbano-paisagístico da Rua do Imperador 

    Ao andar pela avenida principal do Centro, o olhar do visitante é atraído por uma série de sobrados coloridos, cada um com uma arquitetura particular. Mas, apesar de antigos, os pequenos prédios de dois andares não estão paralisados no tempo. Todos são ocupados por comércios e negócios dos mais variados, como estúdios de fotografia, salões de beleza, locadoras, sebos e lojas. Tudo funcionando, é claro, respeitando as leis de preservação do Município.

    Mariana Menescau, de 50 anos, é comerciante e proprietária de dois sobrados na rua, uma sapataria e uma loja de roupas. Os imóveis foram adquiridos por seu pai há 25 anos e neles já funcionaram outros tipos de negócios. Ela conta que não é fácil ter um sobrado tombado, pois as restrições e exigências são muitas, desde o IPTU, que é caro, até ter que manter as marquises e a cor da fachada igual à dos prédios originais. Além disso, não se pode fazer alterações na parte externa e é preciso ter aprovação no Iphan e do Inepac para qualquer reforma interna. Apesar de tudo isso, Mariana não tem dúvidas de que o esforço vale a pena: “se não fossem nossos patrimônios, não seríamos Petrópolis”, diz orgulhosa.


    Estilo Arquitetônico

    Por trás das velhas paredes, no entanto, estão histórias e segredos. Construídos entre o final do século 19 e início do século 20, os pequenos prédios de dois andares são exemplares de uma arquitetura variada, que transita desde o estilo imperial ao eclético, passando pelo rococó e o moderno. Mas, para o designer e coordenador do campus da UERJ em Petrópolis, Freddy Van Camp, o estilo arquitetônico que se pode encontrar com maior frequência entre os sobrados é o Art Decó.

    “Há notáveis exemplares de construções Art Déco espalhados pelas ruas principais da cidade, exibindo seus detalhes arquitetônicos, de serralheria, de mobiliário e de caixilharia”, observa. Uma característica preponderante de prédios Art Déco é a presença de varandas, ou balcões, na sua fachada. Um belo exemplar desse estilo, recentemente reformado, é a Casa D’Ângelo, em frente à Praça Dom Pedro.

    Andando pelo Centro Histórico, o olhar mais atento observará detalhes dos mais variados nos sobrados de Petrópolis. As janelas têm apliques, as portas adornos. Quase todos têm varandinhas, com portas duplas de vidro. “Fato é que nenhum sobrado é igual ao outro. Na época, as construções ficavam a critério de cada arquiteto, que tinha liberdade para criar”, observa o historiador e professor Joaquim Eloy. 


    Por pouco uma cidade vertical

    No fim da década de 1970 foi iniciado em Petrópolis um movimento pela preservação do Centro Histórico. A mobilização e luta de associações locais, dentre elas a ONG Associação Amigos de Petrópolis (Apande) acabou envolvendo toda a população e culminou no tombamento do 1° e 2° distritos. 

    Na época, as imobiliárias vinham comprando cada vez mais imóveis e descaracterizando suas fachadas para a construção de prédios modernos. Os envolvidos na causa lembram que a pressão das empresas era imensa para fazer de Petrópolis uma cidade vertical, muito diferente do que é hoje. “Eu cheguei a ser ameaçada de morte”, relata Fernanda Colagrossi, presidente da Apande e uma das principais ativistas pela preservação do casario histórico e dos sobrados de Petrópolis.

    “Mas não foi uma luta só na nata preservacionista de Petrópolis, toda a população se uniu a nós”, conta a Fernanda, lembrando dos vários ônibus cheios de estudantes e aposentados que foram ao Rio de Janeiro levar os abaixo-assinados de milhares de petropolitanas ao então presidente João Figueiredo em favor do tombamento da cidade.

    “Petrópolis se uniu em favor da sua preservação. Isso foi uma coisa maravilhosa. Fizemos uma revolução, algo em favor do bem. Conseguimos tombar o 1° e 2° distritos. E hoje é um dos maiores tombamentos que existem no Brasil”, disse Fernanda.

    Embora Petrópolis já tivesse tido tombamentos de bens pontuais, como o Museu Imperial e o Palácio da Princesa Isabel, pelo Iphan desde a primeira metade do século 20, foi a partir da década de 70 que um grande número de patrimônios foi sendo gradativamente acrescentado à lista dos bens tombados pelo Inepac. 

    Até que em 1991 foi encaminhada ao Inepac (por associações locais, tendo à frente a Apande), a solicitação de um “macro tombamento” para a cidade. Isso significou o tombamento de um conjunto considerável de bens localizados no 1º distrito, incluindo-se a Rua do Imperador. “Em termos da experiência do órgão estadual, não havia até o momento um tombamento com essas dimensões: foram mais de 300 bens”, observou Roberto Anderson Magalhães, Diretor do DPCN-INEPAC.

    Em 1998, foi concluído o processo de tombamento definitivo do conjunto urbanopaisagístico, delimitando-se a área a ser protegida através das ruas e das encostas, incluindo suas matas

    “Isso representa o nosso futuro. Se Petrópolis só tivesse prédios de 12 andares ninguém vinha para cá”, comentou o historiador Joaquim Eloy. “É preciso que haja um tombamento internacional, tombar Petrópolis como patrimônio cultural da humanidade pela Unesco”.


    Segurança: preocupação de todos

    Na semana em que o país perdeu um dos seus grandes patrimônios históricos, científicos e artísticos, com o incêndio do Museu Nacional na Quinta da Boa Vista, no Rio de Janeiro, a preocupação quanto à segurança nos imóveis tombados ficou ainda mais latente.

    Por se tratar de prédios antigos, tombados e com limitações quanto a reformas, os sobrados não obedecem às normas padrões dos órgãos de segurança, como o Corpo de Bombeiros. 

    “Os sobrados têm uma série de características complicadas do ponto de vista da segurança”, afirma o coordenador do Instituto Cívis, Mauro Corrêa da Silva. Um exemplo é só ter um local para entrada e saída. Outro fator é o material de que boa parte deles foi construído e se mantém até hoje, que é a madeira, que é de fácil combustão. Além disso, muitos deles possuem divisórias internas, o que aumenta o fator combustão. “Eu acho que deveria haver uma fiscalização maior porque se houver um incêndio em um deles vai lamber tudo”, disse.

    O Corpo de Bombeiros do Estado do Rio de Janeiro (CBMERJ) informou que as vistorias da corporação são realizadas apenas quando ocorre requerimento do responsável legal, mediante surgimento de denúncia e ações inopinadas realizadas de forma aleatória pela corporação.

    Além disso, o CBMERJ informou que o protocolo de regularização dos estabelecimentos comerciais nos sobrados tombados é o mesmo dos demais estabelecimentos, ou seja, emissão do Laudo de Exigências e do Certificado de Aprovação. 


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