Os ingleses, os políticos e nós
Alan Ryan, em seu magistral livro On Politics (Da Política), se não me engano, afirma que o sentimento do povo inglês em relação ao governo é basicamente de desconfiança. Aquela atitude de um pé atrás, ou mesmo dos dois, em relação aos políticos. Por outro lado, é reconhecido o elemento de confiança existente entre as pessoas no mundo de língua inglesa. Colega meu, na Universidade da Pensilvânia, ao regressar ao Brasil, em 1979, reclamava da ausência aqui de outro elemento, o de previsibilidade, do dia a dia americano. Essa característica resultava do modo de ser das pessoas e das instituições americanas livres de solavancos tão típicos da república no Brasil. Essa previsibilidade dava sustentação à confiança e ao respeito entre as pessoas.
Estaria eu, caro leitor, entrando em contradição entre o início do primeiro parágrafo e o que foi dito em seu final? Não mesmo! Se não, vejamos.
Há quase três séculos, Montesquieu, autor do famoso O Espírito das Leis, onde fez a defesa da separação dos poderes, embora de modo menos rígido do que é normal-mente propagado, já elogiava o sistema político inglês. Ele confessava sua admiração pela constituição inglesa, ainda que sem compreendê-la completamente, segundo a avaliação feita na própria Inglaterra. Certamente, ele contrapunha a estabilidade inglesa ao clima político francês sempre muito agitado. Qual seria o segredo que diferenciava a ilha inglesa do resto continente europeu?
A Câmara do Comuns, que não é a dos nobres, controla efetivamente o orça-mento público. Os poderes do Parlamento inglês são amplos e não existe uma separação estrita entre os poderes, como prega Montesquieu. Segundo ele, era essencial implantar um sistema de pesos e contrapesos entre os poderes executivo, legislativo e judiciário, que deveriam ser harmônicos e independentes, para que pu-dessem funcionar como fiscais uns dos outros de eventuais excessos de um deles. A rigor, o ideal é ter, como já tivemos, um quarto poder moderador para resolver conflitos que venham a ocorrer entre os poderes. Afinal, se os clássicos três poderes forem independentes dificilmente serão harmônicos, e, se harmônicos, como serem, de fato, independentes?
Mas voltemos à desconfiança dos ingleses em relação ao governo e aos políticos que o manejam. Essa desconfiança é tão profunda, diferentemente de outros povos, que eles exigem prestação de contas semanais, toda quarta-feira, ao Parlamento do Primeiro-Ministro sobre o que está fazendo ou não. E ainda, às sextas-feiras, uma reunião particular do Primeiro-Ministro com a rainha (ou rei) para quem ele não pode mentir, tendo que informar ao monarca qualquer detalhe da condução do governo que ele (ou ela) queira saber. Mais um fiscal!
Essa sistemática prestação de contas semanais pelo Primeiro-Ministro dá bem a medida do grau de desconfiança do povo inglês em relação aos políticos. Os ingleses aprenderam, ao longo de séculos, que poder confiável é aquele monitorado semanalmente para evitar os desvios de rota tão comuns em outros países onde a roubalheira corre solta. Dito de outra maneira, político bom é aquele que está sob rédeas curtas.
Este monitoramento frequente do poder foi a solução bem-sucedida dos ingleses para ter governos que funcionem em prol do bem comum. Além disso, a Inglaterra adota o voto distrital puro que obriga o parlamentar inglês a comparecer todo mês ao seu distrito eleitoral para se reportar a seus eleitores, que mandam – mesmo – no pedaço. Por fim, eles têm ainda o voto de desconfiança que lhes permite pôr fim rápido a maus governos. É assim que funciona. Duro é relembrar que já tivemos tudo isso e jogamos fora.
Quando o atual ministro Guedes da Economia, ainda no final do governo Temer, sugeriu dar uma prensa nos parlamentares para aprovarem a Reforma da Previdência antes da posse do novo governo, Eunício Oliveira, o então presidente do senado não-reeleito, se sentiu ofendido. E colocou areia na proposta. No Brasil, onde os parlamentares só buscam seus eleitores a cada quatro anos, eles se desabituaram de serem cobrados por quem os colocou lá e paga os seus salários. Receber pressão, então, por falta de hábito, se torna inadmissível. É assim que o congresso brasileiro deixa a desejar. E muito.
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