Óptica Haack: entre lentes e montanhas
O brilho do olhar. O flash do equipamento. Lados de uma mesma moeda, escondiam-se, por trás das lentes dos óculos e da câmera, os intérpretes do coração. Captadas pelos olhos e reveladas pela alma, as imagens que atravessavam as finas camadas de vidro faziam da Óptica Haack um espelho da vida.
Emoldurada pelo sorriso de quem havia conquistado um pedaço do mundo com a visão, o retorno à ótica era garantido. Dona Lia Haack, de 83 anos, descrita como um “arquivo vivo” pelos conhecidos, é prova de que o estabelecimento tinha um “quê” de cativante. Tendo trabalhado na loja dos 14 aos 71 anos, torna seguro dizer que a ótica regeu sua vida
“Eu deixava qualquer coisa por ela. Era minha paixão. O senhor Rodolfo Haack foi o primeiro óptico prático aqui na cidade. Veio da Alemanha formado pela Zeiss. Também tínhamos no prédio da loja o ateliê de fotografia. Em tempos de Carnaval havia mais de cem rolos de filme por dia para fazer. Trabalhou-se muito”, relembra ela.
Ao longo de mais de meio século na loja, dona Lia não só teve a oportunidade de acompanhar as mais diferentes mudanças urbanísticas da cidade, como a construção do Edifício Profissional, mas de admirar de perto algumas das paixões daquele a que se refere como o alemão, prussiano à época, mais brasileiro possível.
“O senhor Rodolfo era fotógrafo e se encantou pela paisagem, pelo ar, pela cidade. Lá fazíamos e vendíamos cartões-postais. Nossa loja sempre foi nossa sala de visitas, até porque não tínhamos tempo de receber as pessoas em casa. Carrego comigo o amor pelo trabalho e a educação do povo alemão. Era gente educada, que queria o que é certo”.
A aposentada Luciane Maria Raeder, de 57 anos, conta que lá teve seu primeiro emprego, “o melhor que alguém poderia ter”, afirma. Balconista, ela descobriu a vaga em um anúncio de jornal quando tinha 14 anos. Antes que se desse conta, completou seis anos como funcionária de uma ótica comandada por pessoas “de bom coração e, acima de tudo, humanas”.
“Quando comecei a trabalhar lá, até estranhei porque parecia que eu tinha entrado para a família dos Haack. Fui em festas, almoços e jantares na casa deles. O Rodolfo Junior, o Bubby, me chamava de Betty Boop por causa dos meus olhos grandes. Era uma forma de carinho. Nunca me esqueci disso”, afirma enquanto ri.
Fascinada pela paixão da família por fotografia, Luciane jamais se esqueceu de um pôster do Parque Cremerie que estampava uma das paredes da loja e que a fazia viajar no tempo. Isso sem mencionar o figurino alemão que as atendentes usavam para trabalhar. Colorido, com “babadinhos” e avental, ainda hoje lhe desperta saudade.
Olhos sempre prontos para a aventura
Se por um lado a fotografia parecia despertar a família de alemães, por outro, era a paixão por montanhas que garantia sua sensação de liberdade. Como explica o aposentado Flávio de Albuquerque Lima, de 67 anos, os Haack pareciam influenciar aqueles ao seu redor: caso de seu pai, que chegou a recorrer ao “velho Haack” para garantir algumas dicas fotográficas.
“Papai, Robério de Albuquerque Lima, era um fotógrafo amador e até meus 12 anos teve um laboratório de revelação em casa. Como o escritório dele era ao lado da ótica, no Edifício Profissional, passava lá todo dia para bater papo, comprar material e conseguir orientação técnica do velho Haack, que era um fotógrafo de mão cheia”.
“Ponto de referência”, a loja, como explica Flávio, era destino certo de quem buscava projetores de slide e de cinema, além de filmes para fotografia, por exemplo. “Eles providenciavam tudo, incluindo a revelação de filmes que tinha que ser feita no exterior. Era também onde tirávamos fotos 3 por 4 com o Chico, fotógrafo deles antigo”.
Com acesso a diversos equipamentos, já era de se esperar que as viagens feitas pelos Haack fossem devidamente fotografadas e fizessem jus à paixão do grupo pela área. O empresário Ricardo Neves Lippi, de 62 anos, relembra a vez em que os acompanhou aos parques do Oeste dos Estados Unidos, numa “viagem bem sucedida”.
“A ótica foi o berço do Ecoturismo no Brasil. De lá saiu uma excursão de apaixonados por fotografia e montanhas, sete anos antes de se falar em ecologia. Fomos eu, o Doutor Alfred, que foi meu oculista dos oito aos dezoito anos de idade, a esposa, seu irmão Reinhold, a Doutora Marília, e a Lia Carvalho. Muitas viagens foram realizadas desde então”.
Ricardo, que há 31 anos promove excursões ao exterior, já acumula 16 mil fotografias, sendo que os registros daquele passeio guarda com um carinho especial. “Lembro que chegamos em Petrópolis numa sexta e, na segunda, todos me parabenizaram pela viagem. Descobri que, naquele meio tempo, os Haack tinham mandado as fotos para revelar no Rio e feito uma página inteira comentando a viagem na edição de domingo do Jornal de Petrópolis”.
A tradição familiar, agora seguida pelo neto
Para Valéria Borsato, de 54 anos, já virou rotineiro agendar suas consultas com os oftalmologistas Haack. Paciente da família desde os 13 anos, se orgulha em dizer que os acompanha por tanto tempo.
“Comprei meus primeiros óculos na Ótica Haack. Eram de armação dourada e redonda, como era moda na época. Os guardei por muitos anos, até que perdi em uma mudança. A última vez em que mandei fazer meus óculos lá foi em 2004, quando funcionava no Marchese. Usei por mais de dez anos até que tive que fazer outro”.
E se para os fregueses a sensação é de orgulho, para os médicos da família o que não falta é emoção. Formado há 13 anos como oftalmologista, o doutor Rodolfo Augusto Haack expressa sua gratidão em ter dado continuidade à profissão que o antecedeu.
“Acho lindo ter seguido a profissão porque hoje no nosso consultório temos clientes que foram atendidos por meu avô e hoje são meus clientes, ou seja, sou a terceira geração de oftalmologista da família. Muitas fichas ainda estão em nossos arquivos”.
Na Óptica Haack, momentos eram capturados, memórias reveladas e clientes, familiares e amigos ensinados que, no espelho da vida, o segredo era olhar através das lentes.