• Operação Churrascada: PGR denuncia desembargador de SP por venda de sentenças

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  • 18/jun 14:48
    Por Rayssa Motta e Fausto Macedo / Estadão

    A Procuradoria Geral da República (PGR) denunciou o desembargador Ivo de Almeida, do Tribunal de Justiça de São Paulo, por suposta venda de decisões judiciais. Ele é acusado de advocacia administrativa, associação criminosa, corrupção e lavagem de dinheiro. Outras quatro pessoas, incluindo o filho do desembargador, também foram denunciadas.

    O criminalista Átila Machado, que representa o desembargador, afirmou que a denúncia é um “rematado absurdo” e que ficou comprovado que Ivo de Almeida nunca vendeu decisões.

    “Inclusive, temos como prova cabal da inexistência de tais condutas o próprio rol de testemunhas que o Ministério Público Federal indicou: ninguém relacionado aos fatos imputados, apenas policiais federais que conduziram uma investigação absolutamente tendenciosa e que nunca presenciaram, até porque nunca existiram, tais fatos”, reagiu a defesa.

    A denúncia, subscrita pela subprocuradora-geral Luiza Cristina Frischeisen, descreve em 147 páginas o suposto esquema de negociação de decisões que teria operado de 2015 a 2023. O Estadão teve acesso ao documento.

    O desembargador está afastado do cargo desde que a Polícia Federal deflagrou a Operação Churrascada, em junho de 2024, e fez buscas em sua casa e seu gabinete no Tribunal de Justiça.

    O inquérito foi concluído em novembro com o indiciamento do magistrado pela PF. Com a denúncia, cabe ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidir se há provas suficientes para iniciar um processo criminal.

    Veja quem foi denunciado:

    – Ivo de Almeida, desembargador;

    – Wilson Vital de Menezes Júnior, apontado como intermediário do desembargador na venda de decisões;

    – Luiz Pires Moraes Neto, advogado acusado de comprar decisões para seus clientes;

    – Wellington Pires da Silva, guarda civil e bacharel em Direito, auxiliar do advogado;

    – Ivo de Almeida Júnior, filho do desembargador.

    Até a publicação deste texto, a reportagem do Estadão buscou contato com os outros acusados, mas sem sucesso. O espaço segue aberto.

    Processos sob suspeita

    A denúncia menciona quatro processos em que as decisões teriam sido compradas. No primeiro, o desembargador revogou as prisões preventivas de Diogo Concórdia da Silva e Almir Gustavo Miranda, presos em flagrante ao tentar roubar um caminhão à mão armada, em fevereiro de 2015.

    Em outros dois processos, as decisões favoreceram Adormevil Vieira Santa e Sérgio Armando Audi, condenados por roubo e estelionato.

    O processo mais sensível envolve o traficante Romilton Queiroz Hosi, apontado como homem de confiança de Fernandinho Beira Mar, líder de facção que está confinado em penitenciária federal de segurança máxima. Mensagens recuperadas na investigação indicam negociação de R$ 1 milhão para transferir o traficante, o que não ocorreu.

    Segundo a investigação, os processos eram direcionados ao gabinete do desembargador por meio de fraudes no sistema de distribuição. Um servidor do Tribunal de Justiça de São Paulo, o escrevente Paulo Roberto Sewaybriker Fogaça, foi condenado pelas fraudes.

    A regra para a distribuição de processos entre os gabinetes é o sorteio. Para burlar os procedimentos, diz a denúncia, números de ações judiciais inexistentes eram registrados nos sistemas do Tribunal de São Paulo e, com isso, era possível simular a prevenção do desembargador para despachar nos casos em que a decisão já estaria vendida.

    “Em todos os feitos distribuídos fraudulentamente a Ivo de Almeida houve concessão de liminar ou da ordem de habeas corpus aos pacientes”, destaca Luiza Frischeisen.

    A denúncia aponta que havia acertos para que pedidos de habeas corpus fossem apresentados nos dias em que o magistrado estava escalado para o plantão judiciário criminal.

    ‘Picanha’, ‘churrasco’

    Mensagens recuperadas no inquérito da Polícia Federal ajudaram os investigadores a reconstituir o suposto esquema. As conversas eram cifradas. “Carnes”, “picanha”, “chefe da oficina”, “mecânico”, “carro”, “nosso amigo” e “churrasco” eram algumas das senhas usadas para se referir a Ivo de Almeida, segundo a Polícia Federal e do Ministério Público. As expressões inspiraram os federais a batizarem a Operação de “Churrascada”.

    Os investigadores perceberam que as datas dos “churrascos” coincidiam com os dias de plantão do desembargador.

    Em alguns diálogos, há menções nominais a Ivo. Em março de 2019, por exemplo, Wellington Pires da Silva pergunta a Luiz Pires Moraes Neto se “tem algum outro desembargador na mão ou só tem o Ivo de Almeida”.

    Em outra conversa, o advogado afirma que “costumava pagar de 80 a 100” por habeas corpus. “Eu estou pedindo a liberdade, pra ele responder em liberdade até o julgamento da apelação. Aí na frente ele dá o aberto, dá o que ele quiser, até uma domiciliar.”

    Em uma conversa, em julho de 2022, o próprio desembargador orienta um interlocutor a procurar Wilson Vital: “Ele já vai direcionando o que você precisar, entendeu? E qualquer coisa ele entra em contato comigo.”

    Para a subprocuradora-geral da República, o diálogo comprova que o magistrado tinha conhecimento e participava do esquema.

    O celular usado para enviar as mensagens foi apreendido na casa do desembargador, mas não era seu aparelho pessoal. O número estava registrado em nome de Valmi Lacerda Sampaio, já falecido, que segundo a investigação era o braço-direito do magistrado nas negociatas. O enteado dele, Wilson Vital de Menezes Júnior, teria assumido a função de comercializar as decisões em nome de Ivo de Almeida.

    “Diversos outros interlocutores tratam com o desembargador sobre processos. A utilização de linha telefônica registrada em nome de terceiro é claro expediente para evitar eventual monitoramento por órgãos de persecução penal”, aponta a denúncia.

    Lavagem de dinheiro

    A PGR também atribui ao desembargador a lavagem das propinas por meio de um posto de combustíveis na rua Conselheiro Furtado, próximo ao seu endereço funcional – um edifício do Tribunal de Justiça que aloja os gabinetes dos desembargadores criminais-, e de uma empresa de incorporação imobiliária. Segundo a denúncia, a companhia recebeu R$ 8.489.221,38 sem identificação de origem.

    Os investigadores buscaram cruzar as datas das decisões do desembargador e dos depósitos nas contas ligadas ao magistrado. Segundo a denúncia, ficou comprovada “uma relação de causalidade entre os repasses financeiros e as decisões proferidas, haja vista a proximidade temporal entre as transferências e as alterações nas decisões judiciais”.

    O padrão de movimentações financeiras de Ivo de Almeida também chamou a atenção dos investigadores. As despesas no cartão de crédito excederam a renda declarada do desembargador e costumavam ser compensadas com depósitos fracionados em espécie nas contas dele e do filho, sobretudo nos meses subsequentes às decisões suspeitas, segundo a denúncia.

    “Para que não houvesse sobras financeiras em suas contas em patamar incompatível com seus rendimentos, Ivo mantinha os recursos em espécie em seu poder e os depositava conforme possuía gastos ordinários”, aponta a PGR.

    “O comportamento do desembargador se afastou integralmente do padrão previamente estabelecido, no qual as despesas eram habitualmente quitadas por meio de débitos em sua conta bancária.”

    Para a Procuradoria, o expediente de guardar dinheiro vivo, com a gradual incorporação às contas bancárias, por meio de depósitos fracionados, “tem inequívoco fim de promover a lavagem do produto do crime antecedente”.

    COM A PALAVRA, O CRIMINALISTA ÁTILA MACHADO, QUE DEFENDE O DESEMBARGADOR IVO DE ALMEIDA

    A denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal é um rematado absurdo. Restou sobejamente provado que nunca houve venda de sentença ou qualquer tipo de favorecimento por decisão judicial proferida pelo Desembargador Ivo de Almeida. Inclusive, temos como prova cabal da inexistência de tais condutas o próprio rol de testemunhas que o MPF indicou: ninguém relacionado aos fatos imputados, apenas policiais federais que conduziram uma investigação absolutamente tendenciosa e que nunca presenciaram – até porque nunca existiram – tais fatos.

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