• Obras de Regina Silveira na Bienal fazem retrato da violência no Brasil

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  • 04/09/2021 08:00
    Por Antonio Gonçalves Filho / Estadão

    A presença do labirinto na obra da artista Regina Silveira remonta aos últimos 50 anos. Já em 1971, ela produziu uma série de serigrafias com a arquetípica forma presente em narrativas sobre o lugar mítico onde se entra para buscar uma saída e fugir de uma figura monstruosa. Agora, a forma ocupa novamente o imaginário da artista gaúcha, que produziu para a 34ª edição da Bienal de São Paulo a obra Paisagem, título irônico para uma instalação interativa (bancada pelos colecionadores Ricardo e Bruna Pessoa de Queiroz) em que um labirinto de vidro transparente, cravejado por balas de revólver, desafia o espectador a enfrentar o impacto de um estilhaço nestes tempos de violência incontida. Paralelamente, no Museu de Arte Contemporânea (MAC), Regina Silveira é homenageada com uma retrospectiva que cobre sua longa carreira de seis décadas – e integra a rede de expansão da 34ª Bienal de São Paulo, associada a museus e galerias.

    A instalação da Bienal ocupa uma área de dez metros quadrados com chapas de vidro de 2,50 metros de altura. As marcas dos tiros ficam sempre a 1,40 metro do chão, de modo que o visitante da Bienal vai poder associar o estampido do tiro ao estilhaço sem muita dificuldade, ao passar diante das chapas desse labirinto – materialização da referida série de labirintos gráficos dos anos 1970, quando então reinava a arte conceitual. Várias técnicas associadas ao conceitualismo se desenvolveram depois disso, da justaposição de textos e fotografia feita por Barbara Kruger às investigações de Jenny Holzer sobre a linguagem, mas coube a Regina Silveira atualizar esse legado conceitual de forma explicitamente política. O próprio labirinto instalado na Bienal é um exemplo de representação metafórica da violência urbana que atingiu o paroxismo – e o recente episódio terrorista em Araçatuba é bastante ilustrativo nesse sentido.

    Tudo o que o visitante da Bienal vai ver, garante Regina, foi extraído dessa violência que circula pela internet e outras mídias, das fotografias dos jornais ao noticiário da televisão. Antes, claro, essa topografia da barbárie já despertara a atenção de grandes museus – e o espanhol Reina Sofia tem uma das referidas serigrafias de labirinto em sua seção dedicada à arte latina. “O Brasil nunca chegou a se consertar”, resume Regina que, em 2018, participou da mostra Future Shock no museu americano Site Santa Fe, ao lado de grandes nomes como o fotógrafo alemão Andreas Gursky, o norte-americano Doug Aitken e o polonês Krzysztof Wodiczko.

    “O título era extraído do livro homônimo de Alvin Tofler, para mostrar que esse choque do futuro, que ele mencionava nos anos 1970, já chegou”, diz. Doug Aitken, por exemplo, exibiu um vídeo que tratava justamente da violência das migrações. Regina mostrou seu Mundus Admirabilis, um site-specific gráfico na fachada de vidro do museu de Santa Fe, que usava insetos como uma alegoria da corrupção global e da degradação ambiental.

    “Claro, não é rigorosamente a mesma situação dos anos 1970, quando lutávamos contra o mercado e havia um ativismo político forte, mas o mundo mudou tanto que é preciso reforçar nossa visão crítica do ilusionismo quando todos parecem ter virado fotógrafos e as imagens ficaram tão banalizadas”, diz, propondo um exame crítico das premissas da arte pós-conceitual. Seus trabalhos, ela já admitiu em mais de uma ocasião, sempre tiveram um viés político – e isso fica ainda mais evidente na retrospectiva do Museu de Arte Contemporânea (MAC), que tem o maior acervo da artista. Em 2019, o MAC recebeu a doação de 42 obras de Regina Silveira, em parceria com a Luciana Brito Galeria, complementando o conjunto de obras da artista já em sua coleção.

    Regina tem sua trajetória confundida com a própria história do museu desde os anos 1960 (ela foi amiga pessoal do falecido diretor Walter Zanini e fez parte do Conselho da instituição). A exposição Regina Silveira: Outros Paradoxos, com curadoria de Ana Magalhães e Helouise Costa, extrai seu título da obra O Paradoxo do Santo, da série Dilatáveis, incorporada ao museu em 1994 e que projeta uma sombra distorcida gigantesca (uma alegoria do poder). No MAC, estão também expostas maquetes de intervenções em fachadas de instituições internacionais, vídeos dos anos 1970, esboços de projetos, documentos e instalações recentes de grandes dimensões, que marcam a reabertura do anexo expositivo após uma reforma.

    Outras obras da série Dilatáveis, realizadas em 1971, estão expostas logo no andar térreo da Bienal e podem ser vistas a partir de hoje, quando a mostra internacional será aberta.

    As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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