Obras de arte chegam a sites de compras, de Volpi no Mercado Livre a Marco Bello na Amazon
Anteriormente restrita a espaços mais tradicionais, como feiras, leilões e galerias, a venda de obras de arte vem ganhando tração online no Brasil e no mundo. Hoje, é possível comprar obras de artistas reconhecidos pela internet, em sites específicos e em grandes marketplaces como Amazon, eBay e Mercado Livre. Só no ano passado, as vendas online movimentaram US$ 11 bilhões, o equivalente a 16% de todo o faturamento do mercado da arte no mundo.
Até então discreto, o movimento se fortaleceu durante a pandemia, quando grandes eventos e visitações foram interrompidos e a dinâmica do mercado, alterada. Galeristas e colecionadores se voltaram à internet, que também passou a atrair novos compradores, estimulados pelo lockdown. Na época, as vendas online chegaram a ser responsáveis por 25% de toda a movimentação financeira no setor, somando US$ 12,4 bilhões.
“Inicialmente, havia uma resistência muito grande, principalmente porque certas obras exigem a proximidade para uma leitura completa”, explica Roberto Bertani, coordenador do curso de Artes Visuais da Belas Artes de São Paulo. “Mas, a partir do momento em que a pandemia nos priva da circulação e já estamos mais acostumados com este tipo de tecnologia para comprar outros bens, como roupas e perfumes, acabamos também nos livrando do preconceito de comprar obras de arte de forma remota. No lockdown, a relação das pessoas com os ambientes também mudou, aumentando a procura por decoração.”
Existem diversos caminhos para os compradores. Além de PDFs, salas de visualização online, leilões, e-mails e e-commerces próprios de galerias, eles podem optar por grandes marketplaces como Amazon, eBay e Mercado Livre, nos quais é possível encontrar nomes como Marco Bello, François Bazin, Roberto Matta e Alfredo Volpi. No Brasil, se popularizaram também os marketplaces específicos de arte.
CEO da Blombô, Lizandra Turella conta que o marketplace foi criado acompanhando o movimento global. “Eu vinha do mercado internacional e vi que, com o respaldo de uma casa, era possível viabilizar vendas online”, conta. “Fiz um mapeamento e percebi que era um caminho sem volta.” Criada em 2017, a empresa realiza também leilões virtuais e registrou um aumento expressivo de compras durante a pandemia.
Outra iniciativa brasileira que percebeu o potencial do mercado online foi a tradicional editora de litografia Glatt, de Patricia Motta. A empresa fez uma primeira movimentação tímida de vendas pelo Mercado Livre, ainda em 2005 e 2006, conta Gregorio Dacca, responsável pela área de vendas online. “Na época, a estratégia era um pouco diferente, reaquecer o mercado da litografia, então vendíamos mais para revendedores. Mas o mercado acabou saturando, não tínhamos muitos consumidores finais”, conta. A Glatt voltou ao mercado online durante a pandemia, por meio de um e-commerce próprio, embora ainda disponibilize algumas obras no Mercado Livre. “O site acaba sendo uma vitrine: muitas vezes alguém vê uma obra ali, liga e nos visita na galeria”, explica.
A arte da compra segura
O empresário Luis Claudio Holanda, 55, é um entusiasta de compras online. Ele entrou no circuito há cerca de 12 anos, quando passou a pesquisar e participar de leilões. Hoje, compra a maioria das suas obras online.
Para ele, o mercado é bastante seguro, desde que alguns cuidados sejam tomados. “Um marketplace precisa ter uma curadoria por trás, alguém preocupado em filtrar as obras”, afirma. “Também é preciso estar atento aos preços: se você compra um Di Cavalcanti por R$5, R$10 mil reais, está pedindo para ser enganado”, diz.
Em marketplaces específicos de arte, a questão da autenticidade não costuma ser um problema. Além da curadoria prévia, a documentação da obra geralmente pode ser solicitada para os sites ou galeristas e artistas responsáveis pelas vendas. Nos marketplaces gerais, a transação é responsabilidade do vendedor, a quem o cliente deve recorrer caso queira um certificado.
Além da diversidade e da praticidade do online, Holanda destaca que os preços podem ser bem mais atrativos do que aqueles praticados em espaços físicos. “Nos marketplaces, vemos valores mais competitivos. Galerias geralmente têm preços muito altos de manutenção, como aluguel, por exemplo, o que acaba sendo repassado ao valor final da transação”, explica.
Democratização
Na avaliação de Bertani, a internet traz uma série de mudanças para o mercado. “As vendas online equalizam os artistas: os mais tradicionais e os mais jovens têm a mesma base, que é a tela”, afirma. Ela também diversifica o público, atraindo pessoas que não frequentam galerias e que não moram no eixo Rio-São Paulo.
Esta questão também é percebida pelos vendedores. Lizandra acredita que os marketplaces atraem não só pessoas já interessadas, mas também iniciantes. “Não há aquela intimidação do mercado da arte, já que basta entrar no site para ter acesso a todas as informações, incluindo biografia dos artistas, e receber atendimento especializado. As pessoas se sentem mais confortáveis.”
Carla Loureiro, sócia da ArtSoul, conta que o marketplace foi criado exatamente para sanar a dificuldade do público geral de se aproximar da arte. “O mercado por si só é muito opaco, as pessoas muitas vezes não sabem como começar essa jornada”, diz. “Há uma dúvida de ‘para onde vou’, ‘em qual galeria encontro este artista’, e nós entendemos que ali existia a oportunidade de fazer um trabalho para facilitar este acesso”, conta.
Brenda Valansi, presidente da ArtRio, cita ainda mais uma vantagem: “Os marketplaces são excelentes instrumentos de pesquisa. Você encontra todas as informações da obra, do artista, da galeria, o valor, e consegue acompanhar o movimento do mercado”, explica.
Futuro
A pesquisa da UBS e da Art Basel é otimista em relação à expansão do mercado. “Embora o pico de vendas de 2020 não tenha permanecido, o mercado não regressou”, escreveu Clare McAndrew, a economista cultural que assina o relatório. “Dado o investimento que o comércio de arte tem feito em plataformas e estratégias digitais, juntamente com a crescente aceitação por parte dos colecionadores, parece improvável que a percentagem de vendas reverta aos níveis pré-pandêmicos.”
Para Lizandra, da Blombô, o Brasil vive um momento de plena expansão. “Vemos que cada vez mais atingimos novos compradores, chegamos a novos estados. Isso é um sinal de que o mercado está crescendo, e acredito que ele tem um futuro muito promissor”, afirma.
O desenvolvimento da tecnologia pode ser um aliado, acredita Carla, da ArtSoul. “A evolução de ferramentas como realidade aumentada e realidade virtual vai tornar a experiência de compra online cada vez mais próxima da experiência da compra física”, afirma. “Também vejo a possibilidade de popularização do esquema de jornada híbrida, com processos de compra que envolvam o digital e o físico.”