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  • 09/fev 08:00
    Por Ataualpa A. P. Filho

    Quando se tem a plena consciência da efemeridade da matéria humana, quando se tem na pele o sabor árduo da proximidade do fim, as chances de ter a dimensão do valor da vida tornam-se mais amplas.

    Nesta travessia, o tempo torna-se mais precioso, quando a eternidade começa a bater em nossa porta. Olhar o já vivido ajuda a manter a serenidade, principalmente quando o passado, refletido no retrovisor, expõe as sementes do amor plantadas ao longo da estrada.

    A verdade é que o viver não tem a mesma precisão do navegar, pois os ventos que sopram as velas das vivências não são tão precisos como das navegações marítimas. “Navegar é preciso, viver não é preciso” (“navigare necesse; vivere non est necesse”) já diziam experientes navegadores antes de Fernando Pessoa.

    Quando ainda é possível repensar a rotina para avaliar as mudanças de rotas, deve-se ouvir a voz da própria consciência. Não se deve perder a oportunidade de vassourar os erros, reconhecer as falhas e fazer a autorreconciliação. De bem consigo, é possível pensar no próximo.

    “Homem algum é uma ilha” já afirmara Thomas Merton. As relações sociais ficam registradas na história. O que se deseja de um processo civilizatório consciente é que tais relações ocorram de forma espontânea pelo reconhecimento do valor do outro, para que o existir seja marcado pela reciprocidade do respeito, fundamentado em princípios éticos, morais. Pensar no outro para servi-lo como ponte entre as margens da vida, entre o efêmero e o eterno, é um ato empático.

    Hoje quero compartilhar uma reflexão que brotou de uma mensagem que um amigo me mostrou durante o período em que tomávamos um café. Entre um assunto e outro, ele, com o semblante entristecido, disse:

    – Nessa semana que passou, recebi a notícia da morte de um amigo, um cara novo. Gente finíssima…

    – Quantos anos?…

    – Uns quarenta e poucos. A esposa dele também é uma grande amiga. Eles têm uma filha adolescente…

    – Ele já estava doente ou foi algo assim de repente?

    – Há anos, lutava contra essa doença. Já esteve internado outras vezes, mas conseguia sair bem. Mas dessa vez, foi pro hospital e não saiu com vida. Olha aqui o que ele escreveu nesse período que lutava contra a doença.

    Li o texto.

    – Cara, esse texto tem que andar. Precisa ser lido por outras pessoas. Isso é uma lição de vida. Um exemplo de reflexão sobre o sentido da vida…

    O meu amigo parou um pouco. Houve um silêncio. Pensou. Pegou o celular:

    – Vê aí, eu mandei pra ti.

    Outro silêncio se acendeu. Reli o texto:

    – Posso colocar na crônica desta semana? Não citarei o nome do autor da mensagem. Mas, onde estiver, saberá que as palavras dele irão fazer bem a outras pessoas que ainda estão nesta caminhada.

    E aqui, externando os meus sinceros sentimentos aos familiares e aos amigos dele, transcrevo o que li:

    “Bom dia amigos  

    Amigos, curtam muito a vida de vcs… amem muito… Sejam leves… Sirvam muito as pessoas… foquem em ser bons ao próximo… MAS COM VERDADE…(dinheiro será consequência )…

    FAÇAM A DIFERENÇA na vida do outro … principalmente dentro da casa de vcs….

    Essa longa estada no hospital tem sido um presente de Deus em minha vida… Como os pequenos detalhes fazem a diferença… com a gentileza abre portas e desperta sorrisos… como estar disponível leva luz onde há muito tempo não se vê claridade…

    Sejam especiais… somem nas vidas das pessoas… SE IMPORTEM… VERDADEIRAMENTE SE IMPORTEM…

    Talvez muitos nem se deem em conta de como um simples abraço… um oi com sorriso… um simples “eu me importo” é saúde… é presente divino.

    Vivam plenamente… amem plenamente…

    Desejo uma semana abençoada

    Amo vcs”

    Em mim, essa mensagem bateu forte. Fortaleceu-me, porque acredito que a arte de servir requer uma dose farta de humildade, uma vez que o outro é que ganha mais destaque. Contudo, quem serve fica com a melhor parte: a gratidão.

    Colocar-se na “pele do outro” é abrir espaço para que a generosidade possa brotar dentro de nós. Ele destacou com letras maiúsculas: “Façam a diferença na vida do outro”, “verdadeiramente se importem”. Isso, para mim, é o amar plenamente.

    A meu ver, é preciso amar o outro a ponto de desapegar-se dos bens materiais e valorizar a vida como o único bem que tem espaço na eternidade. Compartilhar é o que nos faz crescer como ser humano; não o acúmulo de bens. Ele colocou entre parênteses: “dinheiro será consequência”.

    Sinto-me privilegiado por ter recebido a mensagem do amigo de um amigo que traduziu o sentido da vida, após ter passado dias no leito de um hospital, e apontou o caminho da eternidade.

    – Sou grato a ambos…

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