
O riso de Marina e de Demócrito contra as lágrimas de Almerita e de Heráclito
“Quem conhece verdadeiramente o mundo, precisamente há de chorar; e quem ri, ou não chora, não o conhece.”
(Padre Antônio Vieira, Sermão sobre as lágrimas de Heráclito contra o riso de Demócrito)
Em seu célebre sermão sobre as lágrimas de Heráclito e o riso de Demócrito, o Padre Antônio Vieira faz a defesa das lágrimas do filósofo sob o argumento de que há no mundo muito mais razões para as lágrimas do que para o riso. Vieira fazia a pregação contra as injustiças e as iniquidades praticadas pelos homens contra seus semelhantes e julgava o pranto a reação mais legítima e só via motivo para o riso como expressão de desprezo por esta situação.
A lembrança do sermão de Vieira me veio ao observar o riso de Marina Silva, nossa ministra do Meio Ambiente, ao ser homenageada pela CBF em um jogo amistoso da Seleção Brasileira de Futebol Feminino. Provavelmente os marqueteiros da CBF julgaram conveniente embarcar a imagem da Seleção na onda “politicamente correta” do ambientalismo das ONGs internacionais, tão íntimas de Marina Silva e tão próximas do establishment global e do Sul e Sudeste do País.
Vieira pregava em 1673 para a elite da política e da igreja, em Roma, e via nas lágrimas de Heráclito a revelação das misérias e das injustiças do mundo, e no riso de Demócrito a ignorância delas. E cita no Evangelho as três vezes em que o Cristo chorou contra nenhuma em que aparecesse sorrindo.
Marina sorria embevecida pela homenagem recebida, por sua condição de mulher, sempre lembrada quando criticada por seu desempenho à frente da pasta do Meio Ambiente. A condição de mulher é sempre o escudo que busca para proteção contra a insatisfação das vítimas de sua política ambiental para a Amazônia.
A verdade é que Marina ri quando deveria chorar pelo sofrimento principalmente das mulheres amazônidas cujas lágrimas não aparecem para a elite da classe média e da mídia. As lágrimas de Dona Almerita, agricultora de Boca do Acre, que conheci em 2011, autuada em 60 mil reais de multa do Ibama em uma propriedade avaliada em metade deste valor, e tão pobre que o agente responsável pela autuação deixou, comovido, o trocado para que pudesse se deslocar até a cidade do órgão que a multou por não licenciar sua roça. Lágrimas de Dona Francisca Borges, viúva, mãe de 14 filhos, cuja propriedade foi posta em leilão para pagar uma multa do Ibama por falta de licenciamento para abrir uma roça e sustentar seus filhos. Lágrimas das mulheres indígenas dando à luz seus filhos em aldeias inóspitas, sem água tratada e luz elétrica e sem assistência de uma maternidade.
Vieira defendeu que Heráclito derramava lágrimas porque o mundo era digno de choro, e que Demócrito ria em zombaria de tal situação. E Marina, que não derrama lágrimas pelo sofrimento das mulheres da Amazônia, de que ri? O poeta, ao perguntar por quem os sinos dobram, respondeu que eles dobram por ti. Quem sabe Marina ria de nós.
*Aldo Rebelo é jornalista e escritor, presidiu a Câmara dos Deputados, foi relator do Código Florestal Brasileiro e ministro nas pastas de Coordenação Política e Relações Institucionais; do Esporte; da Ciência, Tecnologia e Inovação e da Defesa, secretário da Casa Civil do Governo de São Paulo e secretário de Relações Internacionais do município de São Paulo. É presidente da Fundação Ulysses Guimarães no estado de São Paulo.