O que a tragédia de Petrópolis nos ensina sobre sustentabilidade
O Brasil precisa se livrar das amarras que o impedem ao longo das últimas décadas de avançar rumo a um novo patamar de desenvolvimento, mobilizando o país em torno dos valores, crenças, ideais e práticas de gestão que assegurem a adoção de forma perene de um modelo de desenvolvimento sustentável que se baseia em quatro pilares fundamentais e indissociáveis: crescimento econômico inclusivo; redução da pobreza e das desigualdades sociais; preservação ambiental e uso racional de recursos naturais; e qualidade e efetividade das instituições públicas e privadas.
Para operar essa transformação e evitar o caos social futuro, o tema da sustentabilidade precisa fazer parte do cotidiano das pessoas, além de guiar os gestores públicos no processo de formulação das políticas implementadas em nossas cidades. O tema da sustentabilidade urbana, especialmente em países tão desiguais como o Brasil, deve ser uma prioridade.
O Brasil na verdade requer um novo projeto de país, que coloque nossas cidades e a qualidade de vida das pessoas como prioridade. E isso só é possível se esse modelo de desenvolvimento sustentável se tornar uma diretriz inegociável para orientar de forma pragmática as políticas públicas que afetam a vida diária de milhões de brasileiros.
O que significa essa transformação de nossas cidades? O que devemos aprender, definitivamente, com tragédias que levam a vida de centenas de pessoas como a ocorrida em Petrópolis?
O melhor caminho que temos hoje para nos guiar são os objetivos e metas da Agenda 2030 da ONU, os chamados Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), que se forem usados como orientadores para guiar o processo de formulação das futuras políticas públicas nos três níveis de governo representarão um avanço extraordinário, baseado no princípio de que ninguém deve ficar para trás.
É um símbolo do atraso e da falta de entendimento dos desafios que enfrentamos para continuar guiando a formulação de políticas públicas dando prioridade a indicadores econômicos. O crescimento do PIB ou da renda per capita passam a ter pouco sentido se não estiverem associados a um amplo conjunto de indicadores capazes de medir o grau de sustentabilidade das cidades em que vivemos.
Estamos vivendo a chamada “década da ação”. Temos menos de 10 anos pela frente para alcançar os ODS e suas metas. E os desafios que temos pela frente são enormes, para as nações, cidades e comunidades em geral, especialmente para países com o Brasil, repleto de desigualdades regionais e intrarregionais.
O conceito de desenvolvimento sustentável como aquele que permite que as necessidades presentes sejam satisfeitas sem comprometer a capacidade das futuras gerações de satisfazer as suas, coloca em questão os impactos e consequências socioambientais que o modelo ainda vigente de desenvolvimento econômico tem imposto sobre as sociedades em geral. E isso está na raiz de muitos dos desastres naturais e suas consequências que afetam os espaços urbanos, como em Petrópolis.
Por sua vez, a discussão da Agenda 2030 requer o envolvimento e a participação efetiva da sociedade civil organizada para mudar essa lógica puramente desenvolvimentista para um novo paradigma onde as pessoas são colocadas no centro, envolvendo também o setor empresarial, de tal forma que a formulação de suas estratégias de negócios se pautem por uma consciência de sua responsabilidade social corporativa.
Discutir a estratégia de desenvolvimento do estado a longo prazo, com destaque para o horizonte desses próximos dez anos, tendo como pano de fundo o debate sobre as ações, projetos e iniciativas públicas e privadas que enderecem soluções para os desafios da Agenda 2030, é uma prioridade, sendo um fio condutor ambicioso colocar os ODS, suas metas e indicadores, como os elementos que devem guiar o planejamento e a gestão pública, as decisões das empresas privadas, as iniciativas das entidades da sociedade civil organizada e as ações cotidianas de cada um dos habitantes do ERJ.
O tripé da sustentabilidade exige que o equilíbrio entre os pilares ambiental, econômico e social seja alcançado pela atuação conjunta e coordenada entre os diversos atores sociais, contribuindo para potencializar as articulações necessárias para alavancar soluções para os desafios do desenvolvimento sustentável do Estado do Rio de Janeiro.
Como Petrópolis pode servir de referência para a construção de uma nova agenda urbana no ERJ?
Em primeiro lugar, é necessário em entendimento coletivo de que a sustentabilidade urbana não é um tema abstrato, acadêmico e distante. É um assunto do dia a dia de cada um de nós. Discutir como fazer para tornar o ERJ mais sustentável é um exercício de cidadania participativa que todos nós precisamos fazer diariamente. Tudo o que fazemos afeta a sustentabilidade de nossas cidades: o que consumimos, o uso de água e energia, o descarte do lixo, como nos movemos pela cidade e muito mais.
E talvez Petrópolis pudesse servir de laboratório para a implementação de uma série de iniciativas transformadoras que contribuiriam para tornar a cidade um modelo de desenvolvimento sustentável para o ERJ e para o Brasil, definindo uma lista não exaustiva de temas prioritários, inspirados nos ODS da Agenda 2030, que norteariam a formulação de políticas públicas essenciais para o avanço da cidade.
1. Acabar com os bolsões de pobreza, miséria e fome. Implementar sistemas de proteção social que reduzam a vulnerabilidade de segmentos desprotegidos da população e garantam direitos iguais a todos, especialmente o acesso a serviços básicos necessários para uma vida digna.
2. Assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar de todos. Prover os serviços de atenção básica à saúde da população em todos os bairros, além de melhorar e fazer funcionar a estrutura de atendimento hospitalar, realizando um choque de gestão em todas as unidades públicas.
3. Assegurar educação inclusiva e de qualidade para todos. Garantir vagas para todas as crianças e jovens na rede pública de ensino ou em parceria com a iniciativa privada, assegurando que ninguém fique de fora, que ninguém fique para trás.
4. Garantir disponibilidade de água e saneamento para todos. Firmar as parcerias necessárias para levar água de qualidade e esgotamento sanitário para 100% da população, sem exceção, contribuindo indiretamente para melhorar os índices de poluição dos rios e córregos.
5. Recuperar e proteger os principais ecossistemas naturais da cidade. Fazer com que a Mata Atlântica remanescente, os parques da cidade, as áreas de proteção ambiental e as encostas sejam recuperados e preservados, e transformem-se em habitats seguros para a fauna e flora existente.
6. Promover o crescimento econômico sustentado e inclusivo. Estimular os setores da economia intensivos em mão de obra em paralelo com o incentivo à inovação tecnológica, transformando a cidade em um centro gerador de empregos de qualidade e em um polo de empreendedorismo.
7. Melhorar a infraestrutura urbana e de mobilidade. Realizar obras que valorizem o bem-estar das pessoas, integrando os diferentes modais de transporte, desocupando áreas de risco, fiscalizando o uso e a ocupação do solo, ordenando a cidade e aumentando a resiliência a desastres naturais.
8. Reduzir a desigualdade social. Promover, em parceria com a iniciativa privada, um processo amplo e contínuo de formação, capacitação e qualificação de mão de obra, para que as pessoas e a cidade estejam prontas para enfrentar os desafios da nova economia.
9. Melhorar a estrutura de governança. Fazer com que os instrumentos de planejamento e gestão das políticas públicas definam objetivos, metas e indicadores claramente vinculados aos ODS, permitindo o monitoramento das ações e a verificação da melhoria das condições de vida na cidade.
10. Estimular a participação e mobilização popular. Criar mecanismos de gestão que permitam a participação popular na formulação de políticas públicas, nos processos de tomada de decisão e na fiscalização da alocação de recursos do orçamento.
A criação de um Observatório dos ODS no ERJ que permita o acompanhamento sistemático dos avanços do estado em direção a esse modelo de desenvolvimento sustentável pode representar um grande ganho para o cidadão do estado do Rio. Esse é um instrumento cada vez mais utilizado nas cidades brasileiras para medir os benefícios e custos sociais, ambientais e econômicos associados às políticas públicas, subsidiar a sua formulação e dar transparência à sociedade.
Todo cidadão precisa lutar pela causa da sustentabilidade urbana, por uma cidade em que haja oportunidades para que todos os seus habitantes experimentem uma elevada qualidade de vida, sem comprometer a capacidade de seus filhos e netos de terem a mesma possibilidade no futuro. Uma cidade sustentável precisa ser uma cidade para todos hoje e amanhã!
* por Alexandre Motta, doutorando em Sustentabilidade Social e Desenvolvimento e professor da Escola de Gestão e Políticas Públicas da Fundação Ceperj