O princípio do caos
— Nos primórdios, não havia lógica. Se houvesse, não teríamos o bonito do impossível. Também não havia teoria, logo não havia ideologia. Só o Verbo operava. Tudo se fazia sem explicação. O feito por ser. Todos eram em si. Cada um tinha o seu mistério sem ministério. Não havia ordenador, nem ordenança, nem ordenado. Ninguém mandava, nem era mandado, por isso havia ordem. O caos surgiu quando um começou a querer mandar no outro. E assim surgiram as desobediências.
— Antes, imperava a anarquia, o sem governo, todos tinham a autonomia de ser e pertencer à Criação. Todas as criaturas viviam no seu paraíso. E, para isso, o equilíbrio, a harmonia, a liberdade estavam no mesmo plano. Mas, quando a ideia do poder foi parida, degringolou tudo. O homem, que era apenas mais um entre os outros seres, quis ser o senhor do universo. Começou a não enxergar os seus limites, por isso criou a arma para impor a força à força. E assim, surgiram as lutas por domínio territorial. Não havia a linguagem do diálogo pacífico.
— Mas, o caos se instaurou, por completo, depois que criaram o papel moeda. Antes havia a ganância do ter pela força, depois a vaidade aflorou e inflou o consumismo. As pedras lascadas passaram a ser valorizadas, muitas se tornaram preciosas, os metais também se tornaram valiosos. O amarelo do ouro fez brilhar os olhos gananciosos. E, por meio do papel moeda, o sistema de troca foi substituído pelo da compra-e-venda, até os alimentos entraram na dança. Institui-se, portanto, a sociedade pelo consumo. A humanidade foi dividida em classes em função do poder aquisitivo. Coroaram-se os ordenadores; aos serviçais, foi imposto o regime de escravidão e tributaram o viver. Para garantir o acúmulo de papel moeda, criaram bancos. Na bancarrota, ficou o povo: sem-teto, sem-terra, sem sal, que seria o salário.
Foi assim, sem muitos pormenores, que, às margens do Velho Monge, um índio, que aprendeu a ler e a escrever, tentava explicar para o menino que o questionava, pois este sofria as consequências dos problemas ambientais, mas sem entender as causas.
Toda vez que o índio ia às margens do rio para ver o pôr do Sol, o menino saia da água para conversar com ele. Nesse dia, o menino, depois de ouvi-lo, pediu que o ajudasse a salvar o rio que estava cansado de carregar sujeiras. Os peixes estavam com dificuldades para respirar.
Em determinado momento da conversa, o menino indagou:
— O que é civilização? Ser civilizado é produzir lixo?
A pergunta surgiu, porque ele queria saber a razão pela qual os homens são tão noviços. Pela primeira vez, o menino viu o índio chorar, as lágrimas caíam no leito do rio, não movidas pelo sentimento de culpa, mas pela incapacidade de mudar o curso da história.
O choro do índio trouxe o silêncio. Ele mergulhou no rio e começou a tirar garrafas, sacos plásticos, carcaças de animais mortos…
O índio ficou calado até o último raio de Sol sumir atrás das folhas das carnaúbas. E, com uma voz resignada, disse ao menino:
— Enquanto eu viver, vou pedir a todos que não joguem lixo nos rios.
Ele falou isso, mas permaneceu triste, pois não tinha voz suficiente para que todos o ouvissem.
Antes de voltar às águas do rio em que mora, o menino disse:
— O que os homens jogam dentro de si é mais sujo do que essas coisas que atiram nos rios e mares. Os seus males contaminam a Terra.
Já fora d’água, o índio, incomodado pelos mosquitos, pois já não havia sapo nas margens, voltou para a maloca, pensando no lixo que há dentro dos homens: orgulho, vaidade, inveja, ódio, ingratidão…