• O Portugês Falado

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  • 26/03/2020 10:35

    Ideologias à parte. Resolvi tratar de um tema que há muito me incomoda: a mutilação de nosso idioma na linguagem oral, isto é, o português falado. Minha opinião não pretende adotar viés ideológico. Parto das principais funções da linguagem: revelar ao outro quem é você e comunicar. Esclareço, desde já, que não sou purista, ou melhor, não compactuo com preconceitos linguísticos.

    A linguagem falada, em qualquer idioma, tem por característica a informalidade. É por natureza descontraída, informal e, como dizemos nós professores, descuidada. Essa linguagem é aquela que usamos com pessoas do nosso círculo familiar, com amigos, com quem temos mais intimidade. Se a informalidade é parte integrante da linguagem, então, qual é o problema?

    O problema é a adoção da informalidade exagerada nas relações de trabalho que deveriam cuidar para usar um bom português. Por quê?

    Imagine um Ministro de Estado, em entrevista coletiva, falando errado? Uma jornalista? Um palestrante? Uma professora? A minha linguagem pode ser mais informal? Sim, pode. Todavia eu não posso falar errado. Quando isso acontecer, eu colocarei em risco a minha imagem profissional, a credibilidade, a minha competência. Quem dará credibilidade a uma professora de português que fala errado?

    Quando ouço uma frase como esta: “os governadores do sudeste vão ir se reunir com o presidente amanhã”, meus ouvidos doem e meu coração dispara em pânico. O ideal e mais simples seria dizer: os governadores do sudeste se reunirão com o presidente amanhã. Ou uma apresentadora famosa dizendo: “imaginem o coração dela que vai entrar agora ali atrás?” ??? Ela vai entrar ali atrás? Ou, está ali atrás e entrará no palco agora? Uma frase mal construída causa ambiguidade e detona a imagem do comunicador. É claro que a expressão provocou risos e gargalhadas na plateia. Reação que eu dispenso. Prefiro não me expor a esse ridículo.

    Como você se sentiria indo a uma consulta médica e o doutor usasse a linguagem típica dos skatistas para fazer uma analogia entre as manobras radicais e a evolução da sua doença/saúde? Combina? Está de acordo? Eu, por exemplo, não entenderia bulhufas, nada! Nenhum problema o médico ser adepto do esporte, mas daí a querer que seu paciente entenda, é exagero!

    E por aí ocorrem os erros absurdos. Você então me questiona a redução de algumas palavras, tal como a redução do verbo estar “você tá bem”; ou a redução do pronome de tratamento você. Historicamente, o falante tende a reduzir as palavras com a intenção de acelerar a fala, de falar mais rápido. Assim, o pronome de tratamento Vossa Mercês, foi sendo reduzido ao longo do tempo: Vossa Mercês, Vossemecê, Vossancê, Vosmecê, Você, Ocê, Cê. “Cê tá bem?”

    A redução de palavras não é considerada propriamente um erro. É parte da evolução do idioma, que é vivo e dinâmico. Quem, ainda hoje, fala fotografia, motocicleta, cinematógrafo? O uso comum é foto, moto, cine/cinema, respectivamente. Em uma sociedade que preza pela velocidade em todas as suas dimensões, falar rápido é também uma exigência.

    Falar bonito e correto não é falar difícil. Eu posso me comunicar muito bem com o povo sem falar errado. Posso também usar uma linguagem informal e não falar errado. Posso usar gírias dentro de um contexto perfeitamente adequado. Só não posso e não devo falar errado quando minha imagem estiver em jogo.

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