• O poeta e a sátira

  • Continua após o anúncio
  • Continua após o anúncio
  • 03/fev 08:00
    Por Afonso Vaz

    Em 1988, o poeta e trovador gozando plena saúde, muito embora já tendo completado oitenta e três anos, decidiu publicar o livro intitulado “No Limiar do Além”.

    Previra, certamente, que o fim de sua trajetória estava perto de se dar e por isso mesmo valeu-se do tempo que ainda lhe restava para publicar a obra em questão.

    Incentivado pelo professor  e acadêmico Hélio Chaves, seu confrade na Academia Petropolitana de Letras, decidiu que viesse à lume a obra em questão – epitáfios e epigramas – em forma de trovas – os quais versam sobre temas relacionados com as mais diversas facetas do ser humano.

    O livro foi publicado pela então editora Pirilampo, em 1988.

    Numa das orelhas, lê-se: “…Osmar de Guedes Vaz é mestre na trova. Na sua fértil jornada pelos caminhos da vida, soube extrair toda a magia da existência, desde a ternura do suave lirismo à ironia ou à sátira, onde desponta um perfeito conhecedor da versátil natureza humana”.

    Adiante, lê-se:

    “A caricatura das almas desenrola-se e os tipos vibram a acústica de seus cacoetes, pois o trovador encontra a essência da verdade e a veste com o sabor de Rebelais ou Gregório de Matos”.

    O prefácio assinado pelo sempre lembrado acadêmico Hélio Chaves, o qual no início de suas considerações deixa asseverado: “… nesta coletânea, Osmar de Guedes Vaz confirma os seus predicados de mestre do gênero. Arguto psicólogo, busca tipos universais, que, às vezes, coincidem com seres estereotipados e, naturalmente, as caricaturas surgem, em rápidas pinceladas, em doses homeopáticas, na pílula de uma trova”.

    Da obra em pauta, após lê-la e relê-la, pude extrair algumas trovas nas quais percebe-se, com absoluta clareza, o caráter satírico do autor, pretensão de apenas fazer humor como ele próprio afirmava “…embora, para tal fim, tivéssemos de usar, às vezes, de maneira capaz de contundir, vícios e virtudes da espécie humana.

    Das cento e cinquenta trovas que integram o livro, separei as que se seguem, mediante a primeira (pág.11) que assim expressa:

    “Aqui tens em fototrovas,

    os retratos mais perfeitos,

    cô’as melhores boas-novas

    e correlatos defeitos”

    E mais:

    “Com guerra, bala, espingarda,

    sonhou… embora civil.

    Foi um soldado, sem farda,

    um soldado, sem fuzil”.

    “Teve em terra pouca lida,

    nunca foi estivador.

    Mas, puxou no cais da vida,

    muito saco…. e de doutor”.

    “Aqui jaz, como se fosse

    a Rainha da Parola,

    já que, em vida, vacinou-se

    com agulha de vitrola”.

    “Era assim tão inocente,

    que morreu sem que soubesse,

    como é que o dinheiro cresce,

    na bolsa de certa gente”.

    Muitas outras poderiam ainda vir à tona, mas contento-me com as que fiz transcrever.

    O poeta e trovador faleceu nesta cidade em 17 de junho de 1989, contando 84 anos e sua partida dessas paragens certamente sustentada na fé que sempre guardou exatamente como pedira:

    “Nesta cidade querida,

    onde eu conto muito amigo,

    não tive o sopro da vida,

    mas hei de ter meu jazigo”.

    E assim o foi!

    Eu, por minha vez, continuo saudoso de sua alegria, amizade, carinho e conselhos até hoje nunca esquecidos,  sobretudo de sua poesia e termino estas linhas com J. G. de Araújo Jorge, romancista, político e poeta quando nos abrilhanta com a trova:

    “Poesia, velha poesia

    que o tempo não esmaece…

    Um sino em Ave-Maria…

    Um pôr de sol… uma prece”.

    Últimas