• ‘O perigoso para a democracia é excluir os outros do debate’

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  • 25/07/2021 16:29
    Por Rodrigo Turrer / Estadão

    Para o cientista político alemão Jan-Werner Mueller, o conflito está no cerne da democracia, e ninguém deveria temer isso. Referência no debate sobre a ascensão do populismo, Mueller lançou este mês o livro Democracy Rules. A seguir, trechos de sua entrevista ao Estadão.

    Quais os efeitos da onda populista da última década?

    Não acho que seja uma onda. Não é um tipo de processo que agora funciona por si mesmo, como se não houvesse vontade política ou decisões humanas sobre o que fazemos. Meu entendimento é que até hoje, em nenhum lugar da Europa Ocidental, algum ator populista de direita ou de extrema direita realmente chegou ao poder sem o apoio de atores conservadores muito mais estabelecidos. O populismo não é apenas criticar as elites ou ser de alguma forma contra o sistema. Temos aí consequências prejudiciais para a democracia. Os populistas vão alegar que todos os adversários são ilegítimos. Isso nunca é apenas um desacordo sobre políticas ou mesmo sobre valores. Os populistas tornam isso pessoal e moral. Essa tendência é o padrão. Já vimos muitos políticos que vão sugerir que as minorias já vulneráveis, por exemplo, não pertencem verdadeiramente ao povo. Resumindo, para mim, o populismo não é sobre antielitismo. O que é perigoso para a democracia, e o que considero crítico para esse fenômeno, é basicamente a tendência de excluir os outros.

    O que deu errado com a democracia em muitos países?

    Simplificando de maneira brutal, testemunhamos em muitos países o que eu chamaria de dupla segregação: as elites se retiraram do mundo social e político comum, e ao mesmo tempo as pessoas que estão na base da sociedade desistiram do sistema político e não encontram partidos que promovam ideias políticas com as quais elas realmente se identifiquem. Não estou dizendo que isso se aplica globalmente, mas certamente em vários países é assim que ocorre. Para piorar, a maioria dos conflitos hoje é caracterizada como cultural, sobre valores, sobre reivindicações das minorias. Até certo ponto, em alguns países, as minorias agora estão fazendo valer sua presença como não puderam fazer antes. Mas muita atenção é desviada de questões centrais por uma guerra cultural implacável, a ideia de que o país está sendo tirado de nós pelas “pessoas marrons e pessoas negras” que não são a verdadeira América e assim por diante. Muitas vezes os conflitos estão sendo descritos como se fossem apolíticos, inevitáveis. São resultado da política e, portanto, de instrumentos que temos à mão para enfrentá-los, o que não quer dizer que algum dia iremos superá-los completamente. Essa é uma expectativa errada em uma democracia. O conflito é legítimo, essencial, mas depende de como você trata o conflito. Portanto, os meios e os instrumentos para abordá-los também devem ser políticos.

    Você diz que a democracia é dinâmica e fluida, mas quais são as regras básicas da democracia que não podem ser quebradas?

    A democracia tem a ver com conflito. As pessoas não conseguem lidar com isso e apelam a uma ideia comunitária um tanto kitsch de que é tudo sobre como superar nossas divisões, bipartidarismo e assim por diante. Mas se não tivéssemos conflitos, não precisaríamos de democracia, pois ela é simplesmente nosso aparelho para lidar com os conflitos, com base no reconhecimento mútuo. Mas é preciso reconhecer que o conflito existe, e o mais importante, faz parte da política. O meu entendimento do populismo é que os líderes, principalmente de direita, dirão que certas pessoas realmente não pertencem ao povo ou ao sistema político de forma alguma. Essa é uma fronteira importante. Você pode dizer todos os tipos de coisas desagradáveis sobre as pessoas. O que não se pode fazer é sugerir que certas pessoas, certas minorias, certos partidos políticos não pertencem ao debate ou ao sistema político. Essa retórica tem consequências. O termo “agressão gotejante” da filósofa Kate Manne capta perfeitamente esse fenômeno. Não é por acaso que a violência em torno dos comícios de Trump aumentou.

    A polarização é o grande problema político de nossa era?

    Não necessariamente. Qualquer um de nós pode criticar as decisões dos eleitores, e ter visões opostas sobre os rumos que devemos seguir. Isso é parte do jogo democrático. Nos últimos anos, tem havido uma tendência de culpar as pessoas – “foram as massas irracionais que trouxeram o Brexit sobre si mesmas, que trouxeram Trump sobre elas”. Tem sido muito conveniente para os liberais se entregarem aos clichês do século 19 de que todo mundo é irracional e facilmente seduzido pelo grande demagogo. Outra tendência é dizer que é tudo culpa de determinadas elites. Essas são perspectivas muito diferentes, com certeza, mas compartilham a suposição comum de que o problema é com grupos específicos de pessoas. Isso é politicamente problemático, pois viola uma intuição básica sobre a igualdade democrática. Não estou dizendo que os eleitores nunca são culpados, mas acho que precisamos ser mais cuidadosos na forma como construímos essas histórias. E precisamos tomar cuidado para não alienar as pessoas do debate.

    No seu livro o sr. fala sobre a necessidade da persuasão e do diálogo aberto para mudar a dinâmica atual do conflito nas democracias. Como dialogar com quem defende uma ditadura militar ou a morte de alguém por causa de sua posição ideológica?

    Não quero dizer que é fácil envolver as pessoas que possuem esses tipos de pontos de vista. E também não estou dizendo que há qualquer tipo de probabilidade de que se conversarmos por tempo suficiente, as pessoas vão mudar, pois temos evidências de que, muitas vezes, não vai ser o caso. O problema não é o que as pessoas dizem de deplorável. O que não podemos é aceitar que as pessoas são irredimíveis. Porque, neste caso, você basicamente diz que essas pessoas estão por aí tão desesperadas que não faz sentido nem sequer tentar interagir com elas. Isso é um erro, porque envolve um certo tipo de determinismo que afetou tanto democratas quanto republicanos nos EUA. Não devemos supor que não podemos mudar as pessoas. É difícil na prática. Mas basicamente realizar a mesma forma de exclusão que os populistas de extrema direita e dizer: você não faz parte da sociedade, não vamos incluir você no diálogo, isso é moralmente errado. Infelizmente é compartilhado entre os principais partidos em alguns países. Então os democratas nos EUA têm a própria forma de determinismo porque assumem que o desenvolvimento demográfico está sempre a favor deles – “qualquer um que seja negro, ou minoria, virá para o nosso rebanho”. O erro moral e político é simplesmente tomar isso como um dado em todas as circunstâncias.

    As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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