• O passar dos anos

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  • 09/01/2017 15:05

    Iniciei o ano de 2017, com a ideia de não carregar o pessimismo que encontrei em 2016. A mudança das luas, as passagens dos anos mexem com a incerteza dos homens sobre o porvir. Ritualizamos essa contagem do tempo. Mesmo os que não se consideram místicos acabam envolvidos por essa áurea de expectativas e desejos que se projeta sobre o ano que entra. O que sai já é considerado velho, após o último segundo de existência. Que seja feliz o ano novo e que sejam assimiladas as lições dos anos velhos. 

    O tempo educa. Quem aprende a repensar o viver com as lições do passado sabe que a história é essencial para a preservação da memória. Os fatos históricos que estão nos livros nem sempre são os que estão na lembrança do povo, porque cada cidadão tem uma história pessoal, que não ganha espaço nos compêndios.  

    Do ano de 2016, muitos fatos serão lembrados como históricos em nosso país: o impeachment, a falência de estados e municípios, o conflito entre os poderes, a Operação Lava-jato, a globalização da corrupção, as delações premiadas, as tornozelheiras eletrônicas, as mobilizações populares convocadas pelas redes sociais. Em suma, muitos acontecimentos que viraram notícias estarão nos anais históricos. Mas não serão relatadas as lágrimas dos aposentados, as dificuldades que estão tendo para sobreviver com os salários atrasados e parcelados. 

    Entre 50 a 70 milhões de pessoas morreram na Segunda Guerra Mundial. Até hoje, o mundo sofre as consequências dessa guerra. Os fatos históricos não se cristalizam, podem ter desdobramentos imprevisíveis. Nenhum governante tem a noção exata da extensão dos seus atos. Um simples aumento de passagem de ônibus pode desestruturar um orçamento familiar. Por isso que se luta para que não sejam abusivos.

    A rebelião que ocorreu no Amazonas, no primeiro dia do ano de 2017, é um exemplo do descaso, da falta de compromisso com a vida. As declarações do governador, do secretário de segurança e do ministro da justiça revelam as contradições de um sistema em que poucos arcam com as responsabilidades do cargo de ocupam. 

    Mas como estava falando, não quero carregar, em 2017, o pessimismo que marcou 2016. As últimas horas desse ano que passou, reservei para agradecer a Deus o que vivi. 

    Não fiz grandes promessas para 2017. Fiquei em casa nessa passagem. Senti saudade de Copacabana! Vi a queima de fogos pela televisão. E, da janela do apartamento em que moro, vi os que foram deflagrados pelos moradores vizinhos. Quando já me preparava para dormir, tocou o telefone:

    – Paiii, fui sequestrado! Vem me pegar. – ouvi uma voz desesperada.

    – Filho, onde você está? – Entrei na encenação… 

    – Não, sei. Dois homens me colocaram num carro e me trouxeram pra cá. Fala aqui com eles.

    – Não, quero falar com você. Onde você está?  Onde eles te pegaram?

    – Não sei. – Respondeu e desligou o telefone.

    Não tenho filho. Ironicamente, pensei: comecei bem o ano, já levando trote.

    No dia seguinte, encontrei-me com um grande amigo. Paramos para tomar um café em uma padaria. Contei para ele que havia iniciado o ano, ouvindo o velho golpe do sequestro.  Como sempre, ele foi bem sucinto: 

    “Isso aconteceu comigo outro dia. O cara falou: ‘pai, estou sendo sequestrado! ’. Eu disse: ‘te vira aí, meu filho!’ E bati o telefone.”  Esse amigo é solteiro e também não tem filhos.

    Falaram-me que a maioria desses trotes vem dos presídios. Quando soube da quantidade de celulares que entram nas penitenciárias, acreditei que isso seria possível. A ociosidade nos presídios favorece a violência.


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