• O Natal pelos olhos dos descendentes de alemães: tradições, sabores e afetos

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  • Por Aghata Paredes

    Em Petrópolis, algumas tradições natalinas, transmitidas carinhosamente de uma geração para outra, resistem ao tempo. Aqui, o Natal se entrelaça com os fios da ancestralidade alemã, criando uma atmosfera em que cada ornamento, prato, receita, poesia e música são testemunhas vivas de um passado que a cidade respira ainda hoje. Convidamos você a embarcar numa fascinante jornada pelas tradições, sabores e afetos que transformam o Natal de algumas famílias em uma experiência singular, repleta de emoções e profundos significados. 

    Elisabeth Graebner é natural de Blumenau, mas cresceu em Ibirama, Santa Catarina. Descendente de alemães, ela relembra momentos de sua infância na cidade natal e as tradições natalinas que permanecem vivas na família desde a sua mudança para Petrópolis, em 1973.

    Foto: Arquivo Pessoal / Elisabeth Graebner

    Na varanda da antiga casa de madeira em Ibirama (SC), os ensaios para a noite de Natal eram liderados pelo padrasto. Uma experiência que ia além da música, envolvendo a comunidade que, cativada pelo espetáculo, permanecia na escuridão em frente à casa durante os ensaios dominicais. “Alí ele fazia o repertório e ensaiava conosco os hinos para a noite de Natal. Certa noite, alguns vizinhos passaram em frente e perguntaram se poderiam assistir ao ensaio, pois estava tudo tão bonito… E eles ficaram até o final, naquela escuridão em frente a nossa casa. Não tínhamos como ir até a Igreja na noite de Natal, pois morávamos muito distante, cerca de 7km, e também não havia transporte e nem iluminação pública, o que impedia que as famílias saíssem à noite. Ainda mais uma família com muitas crianças pequenas.”, relembra.

    Para Elisabeth, a ceia de Natal trazia (e continua trazendo) sabores únicos à mesa. Durante sua infância, o marreco recheado, acompanhado por saladas e conservas, era a estrela da noite – ao menos na cozinha. E se o arroz e o macarrão eram privilégios reservados a datas especiais, a produção antecipada de bolachas pintadas e cucas anunciava a proximidade das festividades, tudo preparado no tradicional forno à lenha. 

    Ainda hoje, aos 70 anos, a descendente de alemães segue as tradições de sua família, sempre ao lado de seu marido, seus filhos e netos. Na decoração, Elisabeth mantém a coroa de advento, o prendedor, que herdou da mãe, e as velas na árvore de Natal, que acende para dar início à liturgia. “Os presentes são abertos somente após a celebração, que começa com o acendimento de todas as velas na árvore por alguém da família, responsável por criar a atmosfera festiva e sagrada. Então é feita uma reflexão sobre o significado do Natal, depois cantamos todos juntos os hinos, encerrando sempre com “Noite feliz”. Em seguida, fazemos a troca dos presentes. Não fazemos amigo oculto, todos compram presentinhos para todos.”, explica.

    Foto: Arquivo Pessoal / Elisabeth Graebner

    Na cozinha, ela dá continuidade à tradição dos biscoitinhos, que prepara antecipadamente para colocar na mesa do café, dar de presente a pessoas queridas e, até mesmo, vender. 

    Você sabia? 

    A coroa do advento simboliza as quatro semanas que antecedem ao Natal. A cada domingo, uma vela a mais é acesa, durante uma pequena reflexão. Agora em 2023, as velas devem ser acesas nos dias 03/12, 10/12, 17/12 e 24/12, último domingo antes do Natal.

    Outro componente importante do Natal de sua família é a música. “Logo que vim morar em Petrópolis, ganhei um LP do Fischer Chöre, um coral alemão, e esse LP era todo de músicas natalinas. Meus filhos até hoje lembram dessas canções, pois tocavam quase todos os dias em tempo de Natal. A canção de Natal preferida da família é “Noite Feliz”, mas ultimamente passei também a gostar muito de “Noite Santa” (Holy Night), tenho ambas em alemão,  o que remete muito à minha infância.”, conta. 

    Questionada sobre uma lembrança especial de Natal que destaca a influência da herança alemã em suas celebrações familiares, Elisabeth relembra o verdadeiro significado desta data. “Nossos pais eram muito pobres e os presentes eram simples, mas eles conseguiam fazer com que nossos corações vibrassem de alegria. Não por causa dos presentes, mas porque era Natal e Cristo renascia a cada ano. Eles se esmeravam para que tivéssemos um Natal Santo e abençoado…Depois, como avó, eu gostava de vestir meus netos de anjinhos para que eles, desde cedo, guardassem essa magia do Natal que não precisa de dinheiro. O Menino Jesus é o verdadeiro presente; e ele vem igual para todos, para ricos e pobres. Pegue seu filho no colo e leve ele para olhar o céu para procurar a “Estrela de Belém”. Eles amam essa magia…”, conta. 

    Ao longo dos anos, Elisabeth não só mantém viva as tradições em sua família, mas também estende essa herança à comunidade petropolitana. Seu engajamento no Grupo Folclórico da cidade e a transmissão das valiosas heranças dos descendentes de alemães demonstram seu amor e dedicação em preservar e partilhar essas tradições.

    Foto: Arquivo Pessoal / Elisabeth Graebner

    Renata Pertot, petropolitana, 62 anos, traz consigo a rica herança das famílias germânicas que há mais de um século desembarcaram em Petrópolis. “Petrópolis recebeu inúmeras influências de vários lugares ao longo de sua história, mas é inegável a imensa contribuição dos germânicos para a nossa cidade e cultura. Começamos pelo seu traçado, sempre voltando a principal fachada das construções para o rio, a preocupação com a sustentabilidade, sua arquitetura típica, os jardins bem cuidados, os seus corais, extremamente qualificados, as editoras, a marcenaria, sua gastronomia, o pão alemão, a cuca, os biscoitos amanteigados, o polo cervejeiro de excelência, a vocação musical, o amor pela fotografia…”, conta. Atualmente morando em Portugal, Renata compartilha com carinho as peculiaridades que tornam o Natal de sua família tão especial.

    Foto: Arquivo Pessoal / Renata Pertot

    Para a petropolitana, o Natal é um período de intensa preparação que começa já em novembro. “Digo que é uma data festiva, muito familiar e muito comovente. Começamos os preparativos já em novembro, com a absoluta e inevitável “faxina” de Natal. Quando toda a casa é virada ao avesso, limpa e arrumada. Cortinas e tapetes são lavados, armários todos arrumados, roupas antigas são doadas. Enfim, quando tudo neste quesito estiver pronto começamos a decoração natalina.”, explica.

    Os preparativos culinários, caracterizados por sabores típicos alemães, são uma parte especial da celebração de Natal na família de Renata. O chucrute, cuidadosamente fermentado por quatro semanas, é servido como acompanhamento. Os biscoitos, nas palavras de Renata, uma verdadeira obsessão germânica, são produzidos em diversos sabores.

    Foto: Arquivo Pessoal / Renata Pertot

    “O primeiro a ser preparado é o chucrute. O repolho é cortado finamente, depois juntamos o sal grosso, pimenta em grão e zimbro. Fica fermentando por 4 semanas até estar pronto para ser cozido e então servido como acompanhamento. Os biscoitos natalinos, verdadeira obsessão germânica, de toda a sorte. De amêndoas, de especiarias, de chocolate, trançado, decorados com glacê em formatos diversos, com geleias…Os bolos, como o Stolle de frutas cristalizadas, o Honigkuchen (bolo de mel), as maravilhosas cucas de banana, farofa. Bolos de maçã e canela. Os assados de pernil, a salada de batata, o purê de maçãs, a cesta de frutas, pratinhos de frutas secas e as sobremesas diversas. Ah! E os pães especiais. De centeio, de banha, de leite…”, conta. 

    Já a decoração natalina ganha vida com a coroa de advento, velas acesas a cada domingo, guirlandas e a emblemática árvore de Natal, além de brinquedos tradicionais e biscoitos de diversos sabores. 

    Em meio a todas as tradições, Renata relembra com carinho de um enfeite natalino de sua bisavó, que atravessou gerações e continua enfeitando a árvore familiar: “Não tenho foto aqui em Portugal, mas é um anjo envolto em metal. Lindo.”, conta. E por falar em anjo, outro elemento que integra o Natal de Renata e sua família é o amor à religiosidade. “Fazemos oração antes das refeições em agradecimento às bençãos recebidas e ao sacrifício do Senhor Jesus.”, conta. Além disso, as canções natalinas e as poesias são uma tradição mantida com carinho, com clássicos como “Stille Nacht” (Noite Feliz) e “O Tannenbaum” ecoando pelos ambientes. 

    Adalgisa Leopoldina Vogel de Sá, 93 anos, carrega o privilégio de compartilhar as tradições alemãs de Natal com 8 filhos, 15 netos e 14 bisnetos. Para ela, uma das mais significativas, além de reunir a família toda, é assistir à missa do galo e esperar pela chegada do “Papai Noel”. 

    Na infância, havia toda uma preparação para a chegada do Natal. “A gente tirava os matos, fazíamos uma boa faxina, nos reuníamos para a missa do galo, decorávamos a casa com enfeites de papel crepom e, como não tínhamos refrigerante naquela época, meu pai comprava vinho às vezes e nós misturávamos com água [risos].”, relembra. 

    Hoje em dia, com 8 filhos, 15 bisnetos e 14 bisnetos, a maior tradição é reunir a família toda. E se na infância Dona Adalgisa comia canja, hoje ela prepara nada mais nada menos do que pernil assado, bolo de nozes com frutas, cuca e tantas outras delícias. E a receita de pernil é um sucesso, mas tem segredo: “Tempero a carne de porco com pimenta-do-reino, alho, louro, vinagre de vinho branco e sal. Coloco essa mistura, tipo molho, em cima da carne e deixo marinar por um dia. Depois, levo ao forno com papel laminado. Quando estiver quase pronto, coloco para corar. Tem que esperar a carne estar seca, sem água, e dar aquele espetada pra ver. Se for grande, o pernil demora 3 horas, mais ou menos, para ficar pronto.”, explica. 

    Foto: Arquivo Pessoal / Adalgisa Leopoldina Vogel

    Quando o assunto é música, a memória do coração fala mais alto. Dona Adalgisa não se recorda do nome, mas a letra sai naturalmente: “Óh vinde adoremos / Óh vinde adoremos / Óh vinde adoremos / Jesus, a nossa graça e o nosso bem.” Além da canção mencionada, o clássico “Noite Feliz” faz parte do Natal de sua família.

    Olivia Wendling, 66 anos, é uma apaixonada pelo Natal e pelas tradições que mantém vivas em sua família. Dentre elas, um presépio com mais de 60 anos, onde o menino Jesus é colocado exatamente à meia-noite do dia 25 de dezembro.

    As tradições da petropolitana incluem a ornamentação do pinheiro, o presépio com figuras centenárias, a celebração do Advento com a Adventskranz e o Adventskalendar. “O Natal é uma data muito especial para mim, sempre me emociona muito! Gosto de juntar a família, principalmente as crianças, para ajudar a fazer a massa das bolachas. Depois de frias, decoramos as bolachas, cada um explorando sua criatividade. Além disso, aprecio a participação de todos na decoração da casa, especialmente na montagem da Árvore de Natal. Acredito que aquilo que fazemos juntos fica marcado, torna-se mais rico e também desperta o gosto de dar continuidade a essas tradições!”, conta.

    Segundo Olivia, as tradições e os costumes de Natal são mantidos na família através da confecção das bolachas pintadas, do Stollen, da guirlanda e do calendário do advento, além do pinheiro com lâmpadas e velas de verdade.

    Emygdia Hoelz Magalhães Lyrio, 89 anos, é uma petropolitana dedicada às tradições alemãs. Residente em Petrópolis desde sempre, ela mantém viva sua herança cultural, principalmente através do Clube 29 de Junho, onde é presidente de honra.

    Foto: Arquivo Pessoal

    Durante o Natal, as tradições de sua família são preservadas com a Coroa de Advento e um banquete que inclui pernil assado, saladas de batatas e frutas, bolo de nozes, trança de frutas, biscoitos natalinos e pão de mel, todos feitos em casa com receitas dos colonos alemães.

    Para além da culinária, três costumes não podem faltar nesta época do ano para Dona Emygdia: o Culto da Véspera de Natal, a Ceia e as ligações para amigos e familiares. A influência alemã também se reflete na decoração da casa. Além da árvore de Natal, a petropolitana monta o presépio todo o ano. “Todos estes costumes são realizados todos os anos até os dias de hoje.”, conta orgulhosa.

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