O Mundo Religioso: A festa cristã da Páscoa
Entre as diversas festas cristãs, a da Páscoa é provavelmente a mais antiga. Isto porque ela é uma festa anterior ao próprio surgimento do Cristianismo e este a herdou do Judaísmo. Jesus nasceu e viveu dentro da tradição judaica. Frequentou o templo e as sinagogas, como atestam os escritos do Novo Testamento. Na esteira da vida de Jesus, os seus discípulos também irão se entender como pertencentes ao Judaísmo, mesmo após a sua morte e ressureição. Assim, no texto dos Atos dos Apóstolos, se afirma que “Pedro e João subiam ao Templo para a oração das três horas da tarde” (3,1).
A separação entre Cristianismo e Judaísmo irá ocorrer aos poucos e não se deu da mesma forma em todos os lugares. Neste processo de separação, os discípulos de Jesus Cristo, que passam a ser chamados de cristãos, irão começar a construir uma identidade própria. Muitos são os elementos desta identidade e entre eles se pode listar a ressignificação da festa da Páscoa. Esta festa era muito antiga na tradição judaica e já havia recebido outros sentido pelos próprios judeus: de uma festa primaveril (o que parece ser a sua origem mais antiga), para a festa da libertação do povo da escravidão do Egito.
Com este sentido ela era festejada no tempo de Jesus. Segundo as informações dos Evangelhos, a morte de Jesus ocorreu por ocasião da festa judaica da Páscoa. Esta coincidência acaba servindo de motivo para que a comunidade cristã primitiva comece a reinterpretar o conteúdo desta festa: os acontecimentos da morte e ressurreição de Jesus começam a ser vistos na perspectiva pascal, de eventos libertadores, salvadores. Ocorre, por assim dizer, uma “pascalização” da morte de Jesus. Embora os cristãos conservassem a ideia judaica da libertação, esta é vista no que sucedera com o Cristo. Destarte, a comunidade cristã começa a se apropriar da festa judaica, colocando nela elementos de conteúdo próprio.
Assim, duas ideias irão entrar especialmente na apropriação cristã da Páscoa: uma de entender que com a morte de Jesus se realiza uma nova Páscoa no sentido histórico, de uma nova libertação. Esta é a interpretação mais próxima do Judaísmo e que foi desenvolvida especialmente pelo chamado judeu-cristianismo. Outra tradição, mais ligada ao mundo de Alexandria e ao pensamento grego, irá interpretar a Páscoa de Jesus num sentido de antropologia teológica, ou seja, pela morte e ressurreição de Jesus se mostra já realizado o futuro absoluto do ser humano. Assim, a Páscoa é interpretada num sentido escatológico (relativo ao fim dos tempos) e praticamente desistoricizada. Santo Agostinho, no século V, é que irá fazer uma síntese das duas tradições de pensamento: “Foi com sua paixão que o Senhor ‘passou’ da morte para a vida e abriu para nós, crentes, a via para a sua ressurreição, a fim de que nós passemos da morte à vida”.
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